sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Justiça determina abertura de ação penal contra militares por crimes na ditadura

O coronel da reserva Sebastião Curió, denunciado pelo Ministério Público Federal

Militares que atuaram na repressão durante o regime militar (1964-85) responderão a ação penal por supostos crimes cometidos durante a ditadura.

A Justiça Federal em Marabá (685 km de Belém) aceitou denúncia do Ministério Público Federal e determinou a abertura de ação penal contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues Curió, 77, e contra o tenente-coronel da reserva Lício Maciel, 82.

Ambos combateram a guerrilha do Araguaia (1972-1975), na região sul do Pará, e são acusados do crime de sequestro qualificado.

A Procuradoria sustenta que corpos de militantes de esquerda supostamente mortos por eles até hoje não foram encontrados e, por isso, podem ser considerados como desaparecidos.

O crime de sequestro qualificado prevê pena de prisão de dois a oito anos.

A ação contra Curió havia sido rejeitada em março, mas o Ministério Público Federal recorreu e agora conseguiu mudar a decisão.

Antes, o juiz federal João César Otoni de Matos havia entendido que a Lei da Anistia, de 1979, perdoou crimes cometidos durante a ditadura militar e por isso rejeitou a abertura da ação.

ANISTIA

Em São Paulo, uma ação semelhante contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra foi rejeitada pela Justiça Federal, sob entendimento da Lei da Anistia.

É, portanto, segundo a Procuradoria, inédita a decisão da juíza federal Nair Cristina de Castro pela abertura dos processos. Ela já determinou que os acusados sejam ouvidos. As decisões são da última terça-feira (28) e foram divulgadas nesta quinta (30) pela Justiça Federal no Pará.

A juíza diz que, se o crime de sequestro continua até o presente momento, não se aplica a ele a Lei da Anistia, pois ultrapassou o período dos crimes anistiados.

O tenente-coronel Lício Maciel diz que o guerrilheiro Divino Ferreira de Souza foi baleado em combate. Maciel diz que não pode ser acusado de sequestro porque Divino foi levado a uma enfermaria e, posteriormente, militares o informaram que ele havia morrido.

Começou ontem série de debates sobre ditaduras argentina e brasileira


Presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT-SP), a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva realiza entre 30.08 e 01.09 o seminário “Psicanálise, Política e Memória em Tempos Sombrios: Brasil e Argentina”.

Os três dias de debates são imperdíveis, tanto pela atualidade e importância do tema, quanto pela junção de forças entre o poder público e a universidade. A iniciativa é uma parceria da Comissão da Verdade Estadual com o Instituto de Psicologia da USP, o Instituto de Estudos sobre Violência do Estado e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos (de São Paulo).

Estarão presentes, entre os debatedores, a psicanalista Maria Rita Kehl, da Comissão Nacional da Verdade; Fabiana Rousseaux, diretora do Centro de Assistência a Vítimas de Violações de Direitos Humanos Dr. Fernando Ulloa (Argentina); o Dr. Roberto Tykanori Kinoshita, coordenador da área técnica de saúde mental, álcool e outras drogas do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde; e o psicanalista Paulo Endo, membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e à Violência Institucional.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Ditadura Militar Massacrou Indígenas

Egydio com os Waimiri-Atroari
Provavelmente Egydio Schwade é um dos indigenistas vivos que mais podem contribuir com a Comissão Nacional da Verdade para esclarecer crimes praticados pelo Exército brasileiro, a mando do governo militar, contra os indígenas durante a última ditadura civil-militar (1964 – 1984). Atualmente com 76 anos, Egydio foi o primeiro secretário-executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e trabalhou com a alfabetização dos Waimiri-Atroari (ou Kiña, como eles se autodenominam), em 1985, quando passou a morar com a família na aldeia deste povo na floresta Amazônica. A partir dessa atividade, tomou contato com uma realidade na sua maior parte ainda desconhecida pelos brasileiros e não titubeia ao afirmar que pelo menos 2 mil indígenas dos Waimiri-Atroari de todas as idades estão desaparecidos. “São histórias de violência que precisam ser esclarecidas”, defende o ex-missionário. 
Foto: Amadeu Guedes
Os Waimiri-Atroari constituíam suas aldeias em trajeto semelhante ao escolhido para a obra BR 174, a estrada que liga Manaus à Boa Vista, conhecida também como Manaus–Caracaraí, construída entre 1967 a 1977. Embasada em discurso desenvolvimentista dos estados da Amazonas e Roraima e do governo brasileiro, posteriormente a estrada facilitaria a instalação da hidrelétrica de Balbina e de projetos de mineração. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em 21 de janeiro de 1975, o Coronel Arruda, comandante do 6º Batalhão de Engenharia e Construção, responsável pela construção da BR-174, deu o tom da ação: “A estrada é irreversível como é a integração da Amazônia no país. A estrada é importante e terá que ser construída custe o que custar. Não vamos mudar o seu traçado, que seria oneroso para o Batalhão, apenas para pacificarmos primeiro os índios”. 

Em 1968, a expedição do Padre Calleri, a pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai), constatou que aproximadamente 3 mil pessoas da etnia viviam na região. Quatro anos depois, o número foi confirmado por nova pesquisa da Funai. Em 1982, entretanto, um estudo do antropólogo e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Stephen Beines, verificou-se uma redução drástica dessa população, contabilizando apenas 332 Waimiri-Atroari. O que aconteceu com essa população? Egydio tenta responder. 

Ele explica que era por meio de desenhos, da língua nativa Kiñayara e depois em português que os remanescentes denunciavam a dizimação de aldeias inteiras com armas de fogo e químicas. Crianças desenhavam aviões sobrevoando as aldeias. Indígenas contavam histórias de um líquido pegajoso e incendiário, provavelmente napalm, atirado contra os nativos. Histórias de tiros, dinamites, granadas também foram relatadas. “São diversas histórias e a mais chocante fala sobre a morte em massa. Uma aldeia estava em festa e nessas ocasiões praticamente todo o povo se movimenta. Tudo indica que foi no final de setembro de 1974, quando de repente, um pouco depois do meio dia, um helicóptero do Exército jogou um pó sobre as pessoas que as deixaram todas mortas. Só uma pessoa não morreu. E foi como se não tivesse acontecido nada no Brasil”, destaca. 

Outro fato que chocou bastante o missionário foi a morte do pai de um de seus alunos. “Eles queriam fazer uma visita aos militares, um contato amistoso, para colocar os problemas da aldeia e eles foram recebidos à bala. O pai dele recebeu um tiro que passou pela boca, quebrando os dentes”, afirma. “Muitos dos nossos alunos eram oriundos de cinco aldeias que sumiram. Eles contam que o povo ficou muito revoltado, em consequência disso provavelmente ocorreram dois massacres contra funcionários da Funai”, relembra. 

Além de um obstáculo ao desenvolvimento, os Waimiri-Atroari chegaram a ser associados à guerrilha. Um panfleto da Operação Atroaris, anti-guerrilha, escrito em versos, dizia: “Estais cercado, teus momentos estão contados; vê na operação esboçada que o teu fi m está próximo”. O folheto pedia ainda redenção do “irmão” e, como recompensa, garantia que a Operação lhes deixaria com vida.

Como atuou a Funai
De acordo com o ex-missionário, a missão da Funai era remover obstáculos. “E os obstáculos eram os índios. Depois explicavam para a opinião pública que estavam tentando proteger os indígenas, o que não ocorria”, defende. Segundo ele, a Fundação também auxiliava o governo que buscava manter longe dos Waimiri-Atroari jornalistas, pesquisadores e o movimento popular. A Funai foi procurada pela reportagem para que pudesse falar sobre os crimes cometidos contra os indígenas por suposta omissão ou autoria do Estado, mas até o fechamento desta edição não havia respondido. 

Funcionários ligados ao órgão que denunciaram os abusos cometidos contra os Waimiri-Atroari na década de 1970 foram demitidos como são os casos de Milton Lloli e Apoena Meirelles. Este último, em entrevista ao jornal Opinião, veiculado no dia 17 de janeiro de 1975, chegou associar a etnia a indígenas traiçoeiros, mas ponderou: “Mas a estória é outra, e chegamos mesmo a mentir à opinião pública nacional, não contando a verdade dos fatos que levam esses índios a trucidar as expedições pacificadoras... é a estrada que corta a sua reserva, proliferando o ódio e a sede de vingança contra o branco invasor, foram os assassinatos praticados pelos funcionários da Funai durante os dois últimos conflitos”. 

E continua: “Hoje em dia vamos em missão de paz, de amizade com os índios, mas na verdade estamos é trabalhando como pontas de lança das grandes empresas e dos grupos econômicos que vão se instalar na área. Para o índio fica difícil acreditar em missão de paz se atrás de você vem um potencial de destruição ecológica”.

Fonte: http://urubui.blogspot.com.br/2012/08/ditadura-militar-massacrou-indigenas.html

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Argentina avança e continua a julgar seus assassinos na ditadura


Desta vez quem está no banco dos réus é o último general ditador do país, Reynaldo Bignone, e outros oito militares. O crime? Respondem pelo de lesa-humanidade, acusados de prender, torturar e matar 20 combatentes do regime militar, entre os quais sete grávidas sequestradas e assassinadas durante o regime ditatorial, cujos bebês foram distribuídos e adotados por famílias de militares.

Não é a primeira vez que Bignone senta no banco dos réus. Em julgamentos anteriores ele já foi condenado quatro vezes, todas por crimes cometidos durante a última ditadura argentina (1976-1983). Nesta 5ª feira (ontem) Bignone, acompanhado pelos outros réus ex-militares, começou a ser submetido a outro julgamento pelos crimes cometidos na guarnição militar do Campo de Mayo, em Buenos Aires.

Nesse quartel funcionou um dos maiores centros clandestinos de detenção do governo, além de uma espécie de maternidade ilegal por onde passaram várias mulheres sequestradas e, até hoje, desaparecidas.

No mesmo processo também estão sendo acusados e julgados outros oito ex-militares. Além de um ex-oficial de inteligência do Exército Carlos del Señor Garzón e sua muher, María Francisca Morillo, acusados de roubarem e adotarem o bebê Laura Catalina de Sanctis Ovando, cuja identidade real, com o verdadeiro nome de seus pais, foi restituída em 2008.

A Casa da Morte, em Petrópolis, a caminho de se tornar um memorial da resistência


"É uma grande vitória da sociedade democrática e a OAB-RJ se orgulha de ter contribuído para a causa. O próximo passo será transformar a famigerada Casa da Morte em memorial. Assim, a cidade de Petrópolis fica desagravada em sua honra, já que o local deixa de ser uma mancha e passa a ser uma lembrança de que o Brasil viveu tempos tenebrosos que não mais devem voltar".

Perfeita a interpretação que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-secção Rio de janeiro (OAB-RJ), Wadih Damous, dá à decisão do prefeito de Petrópolis, Paulo Mustrangi (PT) ao declarar de utilidade pública a chamada Casa da Morte, nesta cidade serrana do Estado do Rio.

O imóvel situado na rua Arthur Barbosa, 668, funcionou nos anos 70, no regime militar, como um centro clandestino de torturas e assassinatos montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE).

Local agora vai virar museu ou memorial da resistência

Na casa da Morte foram torturados e mortos cerca de duas dezenas de presos políticos, dos quais apenas um, a ex-militante da VAR-Palmares Inês Etienne Romeu, conseguiu sair vivo. A declaração de utilidade pública é o primeiro ato do processo para desapropriar o local para a construção ali de um museu ou de centro de memória.

Wadih Damous, em nome da OAB-RJ, junto com o Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis e o governo federal, foi um dos autores do pedido para que a Prefeitura declarasse o local de utilidade pública.

A ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, também aplaudiu a iniciativa. "Manter esses sítios é manter viva a memória das terríveis violações de direitos, é reconhecê-los, para que nunca mais tenhamos qualquer tipo de ditadura no país", elogiou a ministra.

Agora o exemplo precisa ser seguido por outras capitais e cidades brasileiras que viveram o infortúnio de sediar centros de tortura montados pela ditadura militar. Principalmente porque perpetuar a memória de acontecimentos nefastos como aqueles é uma forma de contribuir para que tempos e fatos tão sombrios quanto os daquele período nunca mais se repitam em nossa história.

sábado, 18 de agosto de 2012

Ao confirmar que Ustra é torturador, TJ-SP faz um desagravo ao país


A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), de confirmar oficialmente como torturador o coronel do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, é como bem disse o advogado da família Teles, Fábio Konder Comparato um desagravo ao nosso país. "A manutenção da decisão vai melhorar muito a imagem do Brasil diante de organizações internacionais que defendem os direitos humanos", declarou o advogado.

Esperamos, eu e todos os demais cidadãos brasileiros, que a confirmação da sentença seja o começo de uma longa caminhada para condenar pelos menos civilmente aqueles que em nome do Estado brasileiro torturaram e assassinaram de forma vil, covarde e bárbara, presos indefesos e desarmados.

Que a Comissão Nacional da Verdade conscientize nosso povo da necessidade de levá-los à justiça mais cedo ou mais tarde. Que se faça justiça. É o fundamental, o que o país espera e razão pela qual a Comissão foi criada.

Brilhante Ustra é torturador, confirma TJ-SP

O Tribunal, instância máxima da justiça paulista, confirmou decisão anterior que declara Ustra como torturador no regime militar (1964-1985). O coronel, como todos se recordam - e é impossível esquecer - comandou o DOI-CODI de São Paulo no início da década de 70, o período mais violento da ditadura militar, registrado em nossa história como os chamados "anos de chumbo".

Sua defesa havia entrado com recurso para tentar derrubar a sentença que o reconhecia oficialmente como responsável por torturas contra opositores do regime. Perdeu por unanimidade, três votos a zero no TJ-SP. Cabe recurso e seu advogado, Pedro Esteves, já antecipou que vai recorrer com o argumento de que agora somente a Comissão Nacional da Verdade tem competência para determinar quem pode ser considerado torturador.

Nesta ação em que foi derrotado agora, Ustra é processado pela família Teles, que teve cinco de seus membros presos no DOI-CODI paulista em 1973. A família não pede qualquer tipo de indenização, apenas requere que o coronel seja responsabilizado civilmente pelas sessões de tortura. Em junho pp., em outro processo, ele já fora condenado a indenizar a família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em 1971 também em decorrência de torturas no DOI-CODI sob seu comando.

Comissão da Verdade investiga mais "Casas da Morte"

Exatamente de acordo com a finalidade para a qual foi criada, a Comissão da Verdade passou esta semana no Rio, apurando as informações de que existiram outros centros de tortura chamados de "casas da morte" no Estado do Rio, além da conhecida Casa de Petrópolis.

"Temos a informação de uma casa que teria funcionado no Jardim Botânico. Na ocasião, a Igreja exigiu que a casa fosse desocupada porque a convivência estava inviável. Ouvimos falar de outras, mas as informações estão sendo detalhadas", informou Rosa Cardoso, uma das integrantes da comissão. Foi reforçada por Paulo Sérgio Pinheiro, seu colega de comissão, para quem o Rio foi o Estado com maior número de casas da morte (que funcionavam disfarçadas, como residências comuns) no país.

"Existiram aqui em maior profusão do que em outros Estados. Tudo fazia parte de uma estrutura governamental. Temos que levantar e demonstrar as cadeias de comando", afirmou Pinheiro. Parabéns, a linha está certa e é isto que o país espera de sua Comissão Nacional da Verdade.

Como a equipe de Mino Carta na Veja comemorou o 6º aniversário do golpe de 64


“Como é de conhecimento do mundo mineral, quem fez a VEJA, quando podia ser lida, foi o Mino Carta. O Robert(o) [Civita] lia a Veja na segunda feira, depois de impressa, porque o Mino não deixava ele dar palpite ANTES de a revista rodar.”

A afirmação acima é de Paulo Henrique Amorim, amigo de Mino Carta, e, surpreendentemente, trata-se de uma verdade. Mino, com efeito, fazia o que achava melhor. Seu patrão só ficava sabendo na segunda-feira. A sua ditadura unipessoal na revista acabou no começo de 1976. A ditadura no Brasil ainda duraria muito tempo.

Pois bem, as novas gerações, especialmente os jovens estudantes de jornalismo, que hoje eventualmente leem e ouvem Mino Carta conhecem pouco da história da profissão. Não raro, seus professores se ocupam de proselitismo ideológico raso e não incentivam a pesquisa. O material que destaco abaixo é público. Está no arquivo digital da VEJA.

Na revista de 1º de abril de 1970, Mino decidiu fazer um balanço dos seis anos de poder militar no Brasil. A longa reportagem, com texto final de Elio Gaspari e Luís Adolfo Pinheiro, era apresentada num editorial assinado pelo então diretor de redação. Outros podem ter cantado as glórias do regime militar, mas ninguém como Mino. Outros podem ter enxergado virtudes no poder de farda. Mas ninguém como Mino. Outros podem ter coberto os chamados “setores castrenses” de elogios e mimos. Mas ninguém como Mino. Segue o seu editorial na íntegra. Comento depois.


A essa altura, imagino muitos jovens “progressistas” mais irados que menino cagado, como se diz nos Pampas. Sim, este Robespierre da “imprensa nativa”, como ele costuma se referir aos demais veículos de imprensa, achava que os militares “surgiram como o único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção, nascidas e criadas à sombra dos erros voluntários e involuntários dos líderes civis”. Como vocês sabem, o “direitista Reinaldo Azevedo”, o Judas pronto a ser malhado pela esquerdopatia de salão, jamais escreveu ou escreveria algo parecido. Como não sou demagogo nem estúpido e prezo o estado de direito, não tento enganar incautos pregando, por exemplo, a revisão da Lei de Anistia.

Quando publiquei um outro texto demonstrando a verdadeira pena de Mino Carta, alguns tentaram ensaiar uma defesa: “Não foi ele que escreveu! Era a revista!” Errado! O que vai acima é um texto assinado. Ele, sim! Aquele que mandava em VEJA e não permitia pitaco de patrão. Mino não precisava que ninguém o forçasse a lustrar as botas do quartel. Ele o fazia por conta própria, por gosto, por vocação, pela vontade de servir.

Mino ia longe. Enxergava o que ninguém mais alto do que ele conseguia enxergar. Leiam lá o que diz sobre os governos de farda: “E, enquanto cuidavam de pôr a casa em ordem, tiveram de começar a preparar o país, a pátria amada, para sair de sua humilhante condição de subdesenvolvimento”.

Sabem o que é mais fabuloso? Mino continua fanaticamente governista hoje, como sabem. A razão supostamente nobre que pretexta para ter aderido ao lulo-petismo é justamente a dita luta do ApeDELTA para tirar o país do… subdesenvolvimento!!! Já naquele tempo, como se nota, ele tinha esse estilo que eu definiria como “contestação a favor do poder”.

A reportagem

A reportagem a que ele se refere, com texto final de Elio Gaspari e Luís Adolfo Pinheiro, também é um primor. Ali já se percebe a semente de um estilo que renderia muitas metáforas a um deles: assim como Lula é, nos dias hodiernos, o homem “do andar de baixo” que veio dar lições “ao andar de cima”, naqueles dias, esse papel era reservado aos militares. Querem ver?


Entenderam? Era “a revolução que legitimava o Parlamento, não o Parlamento que legitimava a revolução”. Os militares perceberam, como se informa acima, que as intenções ideológicas dos políticos são sempre “escorregadias”. Huuummm… Não deixa de ter lá a sua verdade. Quando vejo alguns áulicos de hoje a demonizar a oposição, noto que o sestro é antigo. Este outro trecho da reportagem é de uma fabulosa eloquência.


Ali se mostra o danado esforço dos militares para construir uma “nova estrutura política, econômica e social para o país”, sem transigir com os “antigos inimigos”, a saber: “a corrupção e a subversão”. Mino Carta e seus rapazes saúdam o fato de que, finalmente, existe uma política sem políticos — nem mesmo aqueles que apoiaram inicialmente o golpe. Não se trata apenas de uma reportagem exaltando o poder militar. Trata-se um texto em favor da linha dura. Mino, como se sabe, é sempre muito convicto. As ideias ficarão ainda mais claras no trecho que segue. Notem que a tarefa dos militares é criar o desenvolvimento. E não estão para brincadeira, não! Trata-se de gente séria, competente e trabalhadora — não aquela bagunça do governo civil.


Mino, Gaspari e a turma estavam empenhados em demonstrar que, finalmente, havia gente de outra natureza no poder, muito distante da vigarice civil e da baderna protagonizada por reles políticos. Estes, parece, eram talhados para se servir do poder — os outros, ao contrário, eram educados para servir. Que falem por si. Não precisam do meu auxílio. As duas imagens devem ser lidas na sequência.



É claro que há, sim, verdades no que vai acima quanto à formação e ao espírito dos militares. A questão é saber se seu lugar é o governo. E me parece certo que não. Assim como tenho a certeza de que também não é lugar de larápios, de aproveitadores e de candidatos a caudilho. E, se restou alguma dúvida quanto aos propósitos do editorial de Mino Carta e da matéria feita sob o seu comando e a sua inspiração, o último parágrafo é de um eloquência acachapante. Leiam. Volto para encerrar.


Pois é… A gente nota os “velhos progressistas de esquerda de hoje” já em estado larvar naqueles entusiastas do regime, não é? Afinal, os militares eram “sensíveis aos problemas” nacionais porque oriundos das “camadas mais pobres da sociedade”. Isso deve explicar a paixão pelo ApeDELTA. Golpe? Nada disso! A gente aprende lendo o texto que “a classe política se dividiu e naufragou por suas próprias limitações”. Quando os militares decidissem entregar o cargo, haveria de ser a uma “classe política renovada”.

Encerrando

Os jornalistas, o jornalismo e as empresas de comunicação retratam o poder: noticiam, analisam, opinam… Mas têm de ter claro que não são — NEM DEVEM SER — o poder. É evidente que a imprensa estava sob severa censura em 1970, mas, já escrevi aqui, se era proibido criticar, não era obrigatório elogiar. Especialmente com essa ênfase e com argumentos saídos da mais profunda convicção antidemocrática.

Mino Carta se sentia a voz do poder em 1970 e se sente a voz do poder em 2012. No passado, ele desqualificava os políticos — consumidos por suas ambições e limitações. Nos dias de hoje, os adversários dos “representantes das camadas mais pobres” são as forças de oposição e, claro, a “imprensa nativa”, que ele adora satanizar. Sentia-se poder antes. Sente-se poder agora. Ocorre que, para vestir esse figurino, precisa inventar para si mesmo um passado de contestação, falso como nota de R$ 3. Alguém poderia dizer que não mudou tanto assim. Hoje como antes, sempre aos pés do poder. Hoje como antes, de braços dados com o autoritarismo.

Lamento desfazer as ilusões de alguns moços, pobres moços! Mas também eles têm o direito de saber o que eu sei. Sim, sim, há muitos outros “pogreçista” que cantaram as glórias do regime militar. O trabalho da minha Comissão Particular da Verdade mal começou.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Afinal, a lei do acesso à informação vale para o Exército?

A Lei de Acesso à Informação, ou da Transparência, que extinguiu o sigilo eterno de documentos, vale para todos e para tudo quanto é órgão, menos para o Exército? Este se nega a tornar públicos os documentos sobre a invasão da CSN em Volta Redonda em 1988. Agiu da mesma forma que na questão da Guerrilha do Araguaia. 

Diante de um pedido da Folha visando reconstituir os fatos de então, o Exército responde que foram destruídos todos os relatórios e todos os demais documentos a respeito produzidos por sua Inteligência. E que a destruição era permitida pela legislação da época - ainda a herdada da ditadura militar. 

São duas coisas. Primeiro, é preciso, urgentemente, esclarecer e punir esses casos de destruição de documentos. Se não a Comissão da Verdade não terá como investigar nada ligado ao Exército que alega que os documentos foram destruídos e que a legislação permitia. Ou então terá enorme dificuldade para apurar os acontecimentos passados.

Outra coisa é que - mesmo com todas as dificuldades criadas pelo Exército e por quem mais se recuse a prestar as informações, como determina a lei - vai depender da capacidade que tivermos de encontrar outros documentos, de reconstituir os fatos com base em testemunhos e depoimentos de pessoas que até agora não haviam se manifestado, como tem acontecido em outros eventos ligados ao desaparecimento de militantes políticos e mesmo da Guerrilha do Araguaia. É um processo de reconstituição da memória da época, com testemunhos dos envolvidos. 

Assim como no caso dos crimes durante a ditadura, os acontecimentos como este da invasão da CSN têm que ser esclarecidos. Pelo menos para fazer a responsabilização histórica de fatos como esse, da invasão da CSN.

Saldo: três operários mortos e dezenas de feridos

O caso de Volta Redonda aconteceu no dia 9 de outubro de 1988, quando o Exército invadiu a siderúrgica para por fim a uma greve iniciada dois dias antes e matou a tiros três metalúrgicos, deixando dezenas de feridos. Foi a maior crise militar dos cinco anos de governo Sarney e a interpretação à época é que se constituiu em contribuição decisiva para a eleição da prefeita Luiza Erundina seis dias depois. 

O caso veio à baila agora porque a Folha pediu a documentação para elucidar um dos maiores mistérios do episódio: se o presidente da República à época, José Sarney, ordenou ou não a invasão, se concordou com ela, ou quem a determinou. 

Ainda em 1988, um mês depois da invasão, a informação era que as Forças Armadas invadiram a siderúrgica em cumprimento a uma ordem judicial. A OAB nacional argumentou, então, que a invasão podia culminar num pedido de impeachment do presidente Sarney "por despreparo" do governo em lidar com a situação. Mas, não vejo que esta fosse razão para impedimento de presidente da República. Se não vamos ficaríamos igual ao Paraguai...

A negativa de agora e sob o mesmo argumento - não há mais documentos a respeito do episódio - é do 1º Exército, hoje Comando Militar do Sudeste. Antes ele alegou o mesmo para não fornecer documentos sobre a Guerrilha do Araguaia. E ninguém toma providências a respeito. A Força é inatingível, pelo visto. 

Bartolomeu Citeli, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Rendonda quer a "responsabilização criminal dos militares" pela invasão. O advogado João Nery Campanário, que na época trabalhava para o sindicato dos metalúrgicos de Volta Redonda, acha que a invasão só poderia ter ocorrido com a autorização do presidente. Mas não há, até agora, qualquer documento a respeito.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Comissão da Verdade mostrará escândalo e vergonha

Sobre essa questão da revogação ou revisão da Lei da Anistia, que preocupa alguns setores militares, infelizmente, estes bolsões nas Forças Armadas podem ficar tranquilos.

A reciprocidade da Lei da Anistia foi validada há pouco pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e ela só pode ser revista pelo Congresso Nacional que ou propõe esta mudança, ou aprova um referendo, plebiscito ou consulta popular para que a população decida pelo voto.

Com a composição atual do Congresso Nacional dificilmente seria aprovada a convocação de um referendo, ou mesmo uma emenda constitucional, ou projeto de lei para essa revogação ou revisão. Mas, a Comissão da Verdade, em funcionamento - onde reside o medo destes setores - representa realmente a alternativa, a luz no fim do túnel, ainda que a mais longo tempo.

Comissão da Verdade mostrará escândalo e vergonha

Ela criará massa crítica na sociedade, não propriamente pela revisão da Lei, mas para a conscientização do escândalo e da vergonha que é esta anistia aos torturadores e assassinos que não existe hoje em nenhum outro país do mundo e muito menos da América Latina.

Pelo contrário, nossos vizinhos revogaram anistias recíprocas, julgaram e condenaram os criminosos e muitos destes, inclusive generais, cumprem penas na prisão. Aqui, ao contrário, os responsáveis pelos crimes - que cometeram investidos de poderes do Estado - mantêm e ostentam até as patentes militares, pensões e tudo mais, como se nada acontecera.

Nem isso perderam. Não fossem os partidos políticos, as comissões e organizações de direitos humanos, com apoio da Igreja e depois dos governos terem investigado, nem seus nomes e rostos seriam conhecidos.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Número de mortos e desaparecidos na ditadura pode ser o triplo


No momento em que a consciência dos brasileiros se volta para os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade - iniciados há pouco mais de dois meses - e para a necessária e sempre presente luta pela revisão da Lei da Anistia recíproca, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República anuncia que realiza um estudo que poderá triplicar o número de mortos e desaparecidos vitimados pela ditadura.

O senso comum costuma contabilizar entre 350 e 400 mortos e desaparecidos vítimas diretas do regime de exceção no Brasil (1964-1985). A Secretaria de Direitos Humanos lista 357. Há quem fale em bem mais de 400. Os familiares dos assassinados falam em 426.

O levantamento em elaboração pelo Minstério dos Direitos Humanos (a Secretaria Especial da Presidência da República) acredita que há mais 600 vítimas fatais do regime de exceção a serem incluídos nessas listas que arrolam centenas, cuja morte ou desaparecimento têm relação direta ou indireta com a repressão da ditadura.

Aqui houve ditadura, não "ditabranda"

O novo estudo, confirmado a este blog por seus autores na Secretaria Especial da Presidência da República - mas ainda não endossado oficialmente pelo governo - inclui camponeses, sindicalistas, líderes rurais e religiosos, padres, advogados, ambientalistas e outros perseguidos "mortos nos grotões do país" como diz a Folha de S.Paulo entre 1961 e 1988. A maioria teria ocorrido na região amazônica, de 1964 a 1985.

Assim, quando concluído o trabalho e confirmadas as previsões de seus autores, o país poderá constatar ser muito maior - pelo menos o triplo - o número de pessoas assassinadas ou mortas indiretamente por efeito da repressão da ditadura.

E se confirmará, então, o que muitos suspeitam: o contingente de vítimas do regime de força comandado pelo militares é bem maior e coloca por terra o argumento dos que afirmam que aqui o sistema ditatorial foi mais brando.

Como sustentou, por exemplo, em dado momento o jornal Folha de S.Paulo, que chegou a dizer que nem se poderia chamar o regime miltiar no Brasil de ditadura, porque aqui teria sido uma "ditabranda", mais suave do que os regimes militares que vigoraram entre os anos 60 e 90 em um grande número de países do nosso continente.