segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Índios do Araguaia criam comissão da verdade própria para investigar crimes da ditadura2


Os índios da etnia Aikewara, conhecidos como suruís do Pará, criaram uma comissão da verdade própria para investigar crimes cometidos pela ditadura militar. Os suruís vivem na terra indígena Sororó, que se espalha pelos municípios de São Domingos do Araguaia, Brejo Grande e São Geraldo do Araguaia, no sudeste do Pará, região onde a Guerrilha do Araguaia atuou nas décadas de 60 e 70.
Foto: "Não destrua nenhum ser vivo. Já que não foi te dado o poder de criar, não te é dado o poder de destruir".

Foto: Henry Abreu
Imagem de Lurdenilda Menezes
Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, uma dos sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade, a ideia de se criar uma comissão da verdade própria surgiu dos próprios índios. 

“Ficamos no Araguaia entre 14 e 21 de outubro e passamos pela aldeia dos suruís. Após entrevistarmos alguns indígenas, eles acharam que era a hora de criar uma comissão da verdade deles, a partir da sugestão de um jovem cacique, que está na universidade”, afirmou.

De acordo com Kehl, os suruís foram torturados para contribuir com os militares no combate à guerrilha, fornecendo informações sobre os militantes e indicando onde eles estavam. “Eles não fizeram uma resistência política e não sabiam bem o que estava acontecendo. Como não tinham o que dizer, foram bastante torturados.”

A psicanalista afirma que o trabalho da comissão da verdade dos suruís irá abastecer a Comissão Nacional da Verdade. “O que nós iriamos fazer eles decidiram que eles mesmos vão fazer. "

A Comissão Nacional se reunirá entre 16 e 18 de novembro para tratar dos suruís e de outros povos indígenas que teriam sido vítimas da ditadura, entre eles os waimiris-atroaris, cuja população reduziu em mais de 2.000 durante a ditadura.


Outros casos

Outro povo indígena cujas supostas violações estão sendo estudadas pela Comissão Nacional da Verdade é o Arara, que também vive no sudeste do Pará. Segundo a psicanalista, os araras foram “empurrados” para o oeste em razão das fronteiras agrícolas --uma multinacional da fruticultura passou a produzir na área ocupada pelos indígenas.

A comissão também recebeu documentos e informações de crimes praticados contra os índios pataxós, da Bahia, que teriam sido inoculados com vírus da malária em 1967 pela Aeronáutica, fato que deu origem, no ano seguinte, à CPI do Índio, encerrada meses depois com a decretação do AI-5 (Ato Institucional número 5).

Com relação aos potiguaras, da Paraíba, a comissão irá apurar a ocupação pelo Exército de uma área dos índios, que teriam sido despejados para dar lugar a uma madeireira. Há ainda relatos de violações contra os guaranis-kaiowás, do Mato Grosso do Sul, e os avá-canoeiros, do Tocantins.

Um dos responsáveis por pesquisar violações e encaminhá-las à Comissão da Verdade é Marcelo Zelic, vice-presidente da organização Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador de uma pesquisa sobre crimes cometidos pela ditadura contra povos indígenas.

Zelic cita o exemplo das dificuldades vividas pelos guaranis-kaiowás hoje para afirmar que o tratamento dado aos povos indígenas ainda carrega marcas dos anos de chumbo. “Estamos em 2012, com democracia, e mais de 250 lideranças indígenas foram fuziladas nos últimos 12 anos. Como mudar essa realidade sem fazer uma crítica ao passado?”, questiona.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/11/12/indios-do-araguaia-criam-comissao-da-verdade-propria-para-investigar-crimes-da-ditadura.htm

Comissão da Verdade apura mortes de índios que podem quintuplicar vítimas da ditadura

Por Guilherme Balza - UOL
A Comissão Nacional da Verdade começou a investigar, em outubro deste ano, o desaparecimento de aproximadamente 2.000 índios da etnia Waimiri-Atroari durante a ditadura militar. O sumiço dos indígenas, cujo território se estendia de Manaus até o sul de Roraima, ocorreu entre 1968 e 1983, época em que o governo federal construiu a rodovia BR-174 -ligando a capital amazonense a Boa Vista- para atrair à região projetos de mineração de multinacionais.

A comissão recebeu um relatório, com 92 páginas e dezenas de documentos anexos, elaborado pelo Comitê Estadual da Verdade do Amazonas. O dossiê reúne relatos dos índios, depoimentos de sertanistas, militares e funcionários públicos, entre outros indícios que apontam para a existência de um massacre dos waimiris-Atroaris, operado pelo Exército por meio de táticas de guerra, inclusive.

Comissão da Verdade investiga crimes contra povo indígena


A imagem acima, cedida pelo jornalista Edílson Martins, mostra uma maloca em chamas; segundo o sertanista José Porfírio de Carvalho e a Funai, a maloca foi incendiada pelos próprios waimiris-atroaris, que temiam um ataque dos brancos; o Comitê Estadual da Verdade do Amazonas, entretanto, quer que a Comissão Nacional da Verdade investigue se a imagem não retrata um bombardeio militar contra uma aldeia.

Caso a Comissão da Verdade estabeleça a relação entre regime militar e o desaparecimento dos waimiris, o número de vítimas da ditadura pode quintuplicar. Atualmente, os documentos oficiais produzidos pela Comissão da Anistia listam 457 vítimas dos militares - entre mortos e desaparecidos-, a maioria militantes de esquerda.

“Os indígenas não estavam resistindo no sentido político, já que não sabiam exatamente o que era a ditadura. A resistência deles era, de certa maneira, ingênua, no sentido de preservar sua terra. Mas o tratamento dado a eles era violentíssimo”, afirma a psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da Comissão Nacional da Verdade destacada para apurar os crimes contra povos indígenas e camponeses. “Os indígenas, assim como os camponeses, eram as vítimas da ditadura mais vulneráveis.”

Segundo, Marcelo Zelic, vice-presidente da organização Tortura Nunca Mais de São Paulo, os ativistas dos direitos humanos começaram a receber informações sobre crimes cometidos pela ditadura contra índios recentemente. “Isso tudo só começou a aparecer agora”, diz. “A opressão aos indígenas existe desde sempre, mas se intensificou com o golpe”, acrescenta Zelic.

População waimiri despenca

Por viverem em área próxima a Manaus, os waimiris sofreram, desde a segunda metade do século 19, constantes investidas de expedições militares e de caçadores de índios (chamados “bugreiros"), além de garimpeiros e seringueiros, e acabaram tendo que deixar seus territórios originários.

Registros históricos relatam a ocorrência de banhos de sangue, com centenas waimiris mortos, em 1856, 1873 e 1874 - com direito, inclusive, a exposição de cadáveres em Manaus. Em 1905, 583 índios morreram em duas ações militares. Já em 1949, 72 morreram nas mãos de caçadores de jacarés.

Como instrumento de defesa, os waimiris decidiram se manter isolados, resistindo violentamente às investidas do homem branco ao seu território. Assim, ganharam fama de cruéis e selvagens, o que foi explorado a exaustão por seus algozes brancos ao longo das décadas.

No início do século 20, pesquisa feita por antropólogos alemães estimou em 6.000 índios a população total waimiri-Atroari. Em 1972, a população caiu pela metade, chegando a cerca de 3.000 homens, segundo dados da Funai (Fundação Nacional do Índio). Dois anos depois, entretanto, os waimiris estavam reduzidos a menos da metade, somando entre 600 e 1.000 pessoas.

Em 1982, relatório feito a pedido da Funai contabilizou 571 waimiris. No ano seguinte, censo elaborado pelo pesquisador da UnB (Universidade de Brasília) Stephen Grant Baines contou apenas 332 índios. Ou seja, em menos de dez anos, a população waimiri despencou quase 90%.

A tendência começou a ser revertida entre 1984 e 87, quando a população waimiri cresceu, em média, 6% ao ano, chegando a 420 pessoas. O último levantamento, realizado em 2011 pelo Programa Waimiri-Atroari, criado pela Eletrobras (antiga Eletronorte) em 1987, mostrou que havia 1.515 waimiris.

Apesar do desaparecimento de cerca de 2.000 indígenas, nos registros não consta qualquer morte de waimiri.

Ao longo das décadas, o território dos waimiris foi reduzido drasticamente não só pela construção da BR-174, mas também por conta dos projetos de mineração, das frentes pioneiras e, posteriormente, pela a hidrelétrica de Balbina, considerada um fiasco em razão do grande impacto ambiental causado em troca de baixa produtividade --a área alagada é semelhante à da hidrelétrica de Tucuruí, também na Amazônia, mas o potencial é 33 vezes menor.

Procurada pela reportagem, a Funai não negou, nem confirmou a existência de um massacre contra os waimiris e limitou-se a dizer que apoia o trabalho da Comissão da Verdade.

“A Funai tem colaborado, repassando toda a documentação de que dispõe para o esclarecimento dos fatos sucedidos durante o regime militar envolvendo povos indígenas. Cabe à comissão apontar o ocorrido e os responsáveis por crimes que possam ter sido praticados contra essas comunidades.”

Já o centro de comunicação social do Exército disse não haver “nos registros oficiais fatos com qualquer relação com a morte de índios durante a construção da BR-174.”

Táticas militares

O relatório em poder do Comitê da Verdade do Amazonas sustenta que os militares usaram contra os índios um aparato bélico que incluía aviões, helicópteros, bombas, metralhadoras, entre outros equipamentos. A disseminação de doenças, contraídas pelos índios a partir do contato com os brancos, também causou a morte dos waimiris, segundo o relatório, que cita o desaparecimento total de outro povo indígena que vivia na região: o Piriutiti.

Imagens produzidas pelos militares e pela Funai e cedidas à reportagem pelo jornalista Edilson Martins, diretor do documentário em série “AmazôniAdentro”, veiculado na TV Brasil neste ano, mostram ocas pegando fogo, aldeias incendiadas e cadáveres de supostas vítimas dos índios.

A versão da Funai é que as ocas que aparecem em chamas nas imagens foram destruídas pelos próprios índios, mas o relatório da Comitê Estadual da Verdade pede que as fotografias sejam periciadas em razão da suspeita de que tenham sido bombardeadas.

Para o jornalista, que ao longo de 30 anos fez reportagens pela Amazônia, as ações contra os waimiris criaram um novo paradigma na repressão aos índios.

“Esse episódio produziu um novo paradigma no trato com as populações indígenas: pela primeira vez se registrou o uso oficial de armas, pelo Estado, contra essas culturas. Foi um fato inédito. Até então o extermínio dos índios tinha se dado pelas frentes agrícolas e pelos ciclos econômicos”, afirmou o jornalista, que durante três décadas trabalhou como repórter na Amazônia.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/11/12/comissao-da-verdade-apura-mortes-de-indios-que-podem-quintuplicar-vitimas-da-ditadura.htm

terça-feira, 6 de novembro de 2012

No domingo, uma homenagem a Carlos Marighella

Mariguella
Há 43 anos, completados neste domingo, o Brasil perdia uma de suas maiores lideranças: Carlos Marighella era assassinado pelos agentes da ditadura militar em uma emboscada enquanto esperava companheiros na Alameda Casa Branca, na região dos Jardins em São Paulo.

Foram mais de 30 anos de vida dedicados à liberdade e a justiça para a nossa gente. Uma perda imensurável para todos nós. Deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Marighella foi cassado, preso e barbaramente torturado pela ditadura Vargas.

Morreu quando ia ajudar companheiros a sair do país

Ele estava na clandestinidade e era uma lenda para todos nós que lutávamos naquele período. Ele impressionava pela convicção e pela compreensão que tinha sobre o nosso país e o nosso povo. Fundou a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e travou o combate, pagando com a vida, para que pudéssemos usufruir da liberdade e da democracia.

Neste domingo, mais uma vez, sua morte foi lembrada por dezenas de manifestantes que depositaram flores na Alameda Casa Branca, onde Marighella foi assassinado. O ato é uma forma de desfazer as mentiras contadas pela ditadura.

Naquele 4 de novembro, Marighella tinha saído de casa para encontrar companheiros perseguidos políticos para ajudá-los a sair do país. “Nessa travessia, foi assassinado”.

A luta contínua por liberdade e democracia

“Nós sempre lutamos pela liberdade, pela igualdade, pela democracia, pela possibilidade de as pessoas seguirem sua vocação, de todos terem direito ao trabalho e ao lazer. E nos defrontamos com essa violência bárbara, que está acontecendo não só em São Paulo, como em outros Estados do Brasil”, afirma Clara, sua esposa.

Violência que tem resquícios na ditadura, como bem definiu o deputado Adriano Diogo (PT-SP). “É uma coisa bestial. Há jovens na periferia sendo executados”, afirmou.

A ditadura exilou até crianças. E forçou índios a colaborarem com ela


Por mais que o tempo passe e emerjam as mais tenebrosas práticas da longa noite vivida pelo Brasil em 25 anos de regime de exceção (1964-1985) sempre surgem fatos novos, barbaridades tenebrosas cometidas pela ditadura militar e que continuam a surpreender.

Um deles é o caso relacionado aos índios da etnia Suruí, que começa a ser investigado esta semana pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). A Comissão volta ao Pará pela segunda vez desde que iniciou seus trabalhos há alguns meses, para investigar a participação dos suruís na Guerrilha do Araguaia.

A Comissão já sabe que houve a participação. O que ela vai apurar é como isto se deu. As lideranças indígenas denunciam que membros dessa etnia que viviam na região foram obrigados a desempenhar funções de informantes e de guias para as Forças Armadas que combateram a resistência à ditadura no Bico do Papagaio, região entre as fronteiras do Pará e do hoje Estado Tocantins.

A ditadura exilou até crianças

Antes de voltar ao Pará esta semana, a Comissão discute a questão em uma reunião nesta 2ª feira em Brasília. Absurdo que o regime militar tenha forçado a colaborar com ele um povo tutelado, a quem o Estado brasileiro tem a obrigação de proteger?

Barbárie maior, ou tão triste quanto esta, é uma foto e duas notas publicadas pelo colunista Ancelmo Gois em O Globo deste domingo. A foto é de quatro irmãos, Ernesto (2 anos), Zuleide (4), Luiz Carlos (6) e Samuel (9), fichados como "subversivos" pelo extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) e enviados para o exílio.

As crianças eram filhos, sobrinhos e netos de militantes presos pelo regime militar e a foto foi feita poucas horas antes delas embarcarem para o exílio na Argélia. A foto e uma reportagem a respeito serão publicadas pelo jornalista Plínio Fraga na revista de fotografia do Instituto Moreira Salles, edição que sai no próximo dia 10.

"Atiradas ao exílio, passaram pela Argélia cresceram sem pátria em Cuba, até a Lei da Anistia, em 1979", informou Ancelmo Gois em uma das notas que publicou a respeito.