segunda-feira, 2 de junho de 2014

As malocas da Praça de Maio - por José Ribamar Bessa Freire.

Na Argentina, elas foram reprimidas por baionetas quando indagaram, em 1977, pelos filhos presos. Os generais golpistas debocharam:“son las locas de Plaza de Mayo”. Obstinadas, não desistiram, continuaram ocupando a Praça de Maio, desfilando o seu protesto semanal diante da Casa Rosada e da catedral até que, finamente, reconhecidas pela sociedade, contribuíram para o fim da ditadura e a prisão dos torturadores.
No Brasil, vários movimentos nos fizeram ouvir a voz de quem foi silenciado. No entanto, como ninguém entende línguas indígenas, nem se interessa por aprendê-las, não se escuta o clamor dos índios, seja de mães indígenas por seus filhos ou de índios por seus pais desaparecidos. Desta forma, os índios, sempre invisíveis na historia do Brasil, ficaram de fora das narrativas e não figuram nas estatísticas dos desaparecidos políticos. Na floresta, não há praças de maio.
Mas agora isso começa a mudar. Relatório do Comitê Estadual da Verdade do Amazonas, que será em breve publicado pela Editora Curt Nimuendajú, de Campinas (SP), começou a mapear os estragos, comprovando que na Amazônia, mais do que militantes de esquerda, a ditadura eliminou índios, entre outros, Cinta-Larga e Surui (RO/MT), Krenhakarore na rodovia Cuiabá-Santarém, Kanê ou Beiços-de-Pau do Rio Arinos (MT), Avá-Canoeiro (GO), Parakanã e Arara (PA), Kaxinawa e Madiha (AC), Juma, Yanomami e Waimiri-Atroari (AM/RR).
O foco do primeiro relatório, de 92 páginas, já encaminhado à Comissão Nacional da Verdade (CNV), incide sobre os Kiña, denominados também como Waimiri-Atroari, cujos desaparecidos são conhecidos hoje por seus nomes, graças a um trabalho cuidadoso que ouviu índios em suas línguas, consultou pesquisadores e indigenistas, fuçou arquivos e examinou documentos, incluindo desenhos que mostram índios metralhados por homens armados com revólver, fuzil, rifles, granadas e cartucheira, jogando bombas sobre malocas incendiadas.
Os desaparecidos
De noite, nas malocas, os sobreviventes narram a história da violência sofrida, que começou a ser escrita e ilustrada por crianças alfabetizadas na língua Kiña pelos professores Egydio e Doroti Schwade com o método Paulo Freire. O casal morou com quatro filhos pequenos na aldeia Yawará, sul de Roraima, em 1985 e 1986, antes de ser expulso pelo então presidente da Funai, Romero Jucá, lacaio subserviente das empresas mineradoras.
Durante esse período, Egydio registrou, com ajuda de Doroti, as narrativas contadas às crianças por adultos que testemunharam os fatos. Os primeiros textos escritos por recém-alfabetizados, ilustrados por desenhos, revelaram “o método e as armas usadas para dizimá-los: aviões, helicópteros, bombas, metralhadoras, fios elétricos e estranhas doenças. Comunidades inteiras desapareceram depois que helicópteros com soldados sobrevoaram ou pousaram em suas aldeias” – diz o relatório.
Com a abertura da rodovia BR-174 e a entrada das empresas mineradoras, muitas aldeias foram varridas do mapa. “Pais, mães e filhos mortos, aldeias destruídas pelo fogo e por bombas. Gente resistindo e correndo pelos varadouros à procura de refúgio em aldeia amiga. A floresta rasgada e os rios ocupados por gente agressiva e inimiga. Esta foi a geografia política e social vivenciada pelo povo Kiña desde o início da construção da BR-174, em 1967, até sua inauguração em 1977″ - segundo o relatório.
Alguns sobreviventes refugiados na aldeia Yawará conviveram durante dois anos com Egydio e Doroti. Lá, todas as pessoas acima de dez anos eram órfãs, exceto duas irmãs, cuja mãe ainda vivia. O relatório transcreve a descrição feita pelo índio Panaxi:
A eles se somaram outros de uma lista feita por Yaba: Mawé, Xiwya, Mayede – marido de Wada, Eriwixi, Waiba, Samyamî – mãe de Xeree, Pikibda, a pequena Pitxenme, Maderê, Wairá – mulher de Amiko, Pautxi – marido de Woxkî, Arpaxi – marido de Sidé, Wepînî – filho de Elsa, Kixii e seu marido Maiká, Paruwá e sua filha Ida, Waheri, Suá – pai de Warkaxi, sua esposa e um filho, Kwida – pai de Comprido, Tarakña e tantos outros.
Quem matou
A lista é longa, os mortos têm nomes, mas às vezes são identificados pelo laço de parentesco: “a filha de Sabe que mora no Mrebsna Mudî, dois tios de Mário Paruwé, o pai de Wome, uma filha de Antônio”, etc. O relatório se refere ao “desaparecimento de mais de 2.000 Waimiri-Atroari em apenas dez anos”. Na área onde se localiza hoje a Mineradora Taboca (Paranapanema) desapareceram pelo menos nove aldeias aerofotografadas pelo padre Calleri, em 1968, em sobrevoos a serviço da FUNAI. Os alunos da aldeia Yawará desenharam casas e escreveram ao lado frases como:
Apapa takweme apapeme batkwapa kamña nohmepa [o meu pai foi atirado com espingarda por civilizado e morreu] , escreveu Pikida, ao lado do desenho que ilustra o fato.
Taboka ikame Tikiriya yitohpa. Apiyamyake, apiyemiyekî? [Taboca chegou, Tikiria sumiu, por que? Por que?]
A resposta pode ser encontrada no ofício 042-E2-CONF. do Comando Militar da Amazônia, de 21/11/1974, assinado pelo General Gentil Nogueira, que recomendava o uso da violência armada contra os índios, segundo o relatório encaminhado à Comissão Nacional da Verdade.
Um mês e meio depois, o sertanista Sebastião Amâncio da Costa, nomeado chefe de Frente de Atração Waimiri-Atroari (FAWA), em entrevista ao jornal O Globo (06/01/1975), assumiu de público as determinações do general Gentil, declarando que faria “uma demonstração de força dos civilizados que incluiria a utilização de dinamite, granadas, bombas de gás lacrimogêneo e rajadas de metralhadoras e o confinamento dos chefes índios em outras regiões do País”.
O resultado de toda essa lambança é descrito por Womé Atroari, em entrevista à TV Brasil, relatando um ataque aéreo a uma aldeia e outros fatos que presenciou:
Foi assim tipo bomba, lá na aldeia. O índio que estava na aldeia não escapou ninguém. Ele veio no avião e de repente esquentou tudinho, aí morreu muita gente. Foi muita maldade na construção da BR-174. Aí veio muita gente e pessoal armado, assim, pessoal do Exército, isso eu vi. Eu sei que me lembro bem assim, tinha um avião assim um pouco de folha, assim, desenho de folha, assim, um pouco vermelho por baixo, só isso. Passou isso aí, morria rapidinho pessoa. Desse aí que nós via.
Os tratores que abriam a estrada eram vistos pelos índios como tanques de guerra. “Muitas vezes os tratores amanheciam amarrados com cipós.Essa era uma maneira clara de dizer que não queriam que as obras continuassem. Como essa resistência ficou muito forte, o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem do Amazonas-DER-AM, inicialmente responsável pela construção, começou a usar armas de fogo contra os indígenas”.
Sacopã e Parasar
O relatório informa que “as festas que reuniam periodicamente os Waimiri-Atroari foram aproveitadas pelo PARASAR para o aniquilamento dos índios”. Conta detalhes. Registra ainda o desaparecimento de índios que se aproximaram, em agosto de 1985, do canteiro de obras da hidrelétrica do Pitinga, então em construção:
“É muito provável que tenham sido mortos pela Sacopã, uma empresa de jagunços, comandada por dois ex-oficiais do Exército e um da ativa, subordinado ao Comando Militar da Amazônia, empresa muito bem equipada, que oferecia na época serviços de “limpeza” na floresta à Paranapanema no entorno de seus projetos minerais. Os responsáveis pela empresa foram autorizados pelo Comando Militar da Amazônia a manter ao seu serviço 400 homens equipados com cartucheiras 20 milímetros, rifle 38, revolveres de variado calibre e cães amestrados”.
Os autores do relatório dão nomes aos bois, esclarecendo que quem comandava a Sacopã no trabalho de segurança da Mineração Taboca/Paranapanema e no controle de todo acesso à terra indígena eram dois militares da reserva: o tenente Tadeu Abraão Fernandes e o coronel reformado Antônio Fernandes, além de um coronel da ativa, João Batista de Toledo Camargo, então chefe de polícia do Comando Militar da Amazônia.
É Rondon de cabeça pra baixo: “Matar ainda que não seja preciso; morrer nunca”, num processo iniciado com o colonizador e ainda não concluído.  Na Amazônia, o cônego Manoel Teixeira, irmão do governador Pedro Teixeira, em carta ao rei de Portugal, em 5 de janeiro de 1654, escrita no leito da morte, declara que “no espaço de trinta e dois anos, são extintos a trabalho e a ferro, segundo a conta dos que ouviram, mais de dois milhões de índios de mais de quatrocentas aldeias”.
O relatório é um bom começo, porque evidencia que os índios precisam de uma Comissão da Verdade não apenas para os 21 anos de ditadura militar, mas para os 514 anos de História em que crimes foram e continuam sendo cometidos contra eles. Assim, podem surgir praças de maio dentro das malocas, cobrando mudanças radicais na política indigenista do país.
Fonte: http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=1089

Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça divulga a Carta de Vila Velha.


A Rede Brasil - Memória, Verdade, Justiça, composta por comitês, comissões, fóruns, coletivos e outras organizações que lutam pela memória, verdade e justiça, reunida em Vila Velha, Espírito Santo, nos dias 24 e 25 de maio de 2014, aprovou a seguinte carta aberta:

Valorizamos o progresso já alcançado, desde a promulgação da Constituição de 1988, no campo dos Direitos Humanos no Brasil, mas avaliamos como preocupante a persistência de violações dos direitos dos pobres, negros/as, jovens, moradores/as de periferia, mulheres, LGBTT, camponeses, indígenas e outros, como resultado da herança da ditadura militar e da ineficiência dos poderes democráticos instituídos.

Conhecendo a tradição de impunidade seletiva brasileira, sabemos que o poder econômico e o Estado patrimonialista perseveram na mentira e na ocultação da verdade. Por isso, pressionamos, construtivamente, os sucessivos governos democráticos com demandas e exigências de uma política ativa e positiva de promoção dos Direitos Humanos e segurança pública. Com revezes e vitórias, viemos somando conquistas e encaramos a leniência dos agentes governamentais, legislativos, judiciários e militares como obstáculos que a nossa sociedade saberá superar.

Após mais de quatro décadas de resistência e luta das vítimas, familiares de vítimas, de militantes de DHs, de cidadãos/ãs e entidades democráticas, obtivemos avanços na busca por direito à verdade, memória e justiça, que ganhou impulso com a mobilização da sociedade e com a consequente criação da Comissão Nacional da Verdade.

A RBMVJ é resultado deste processo, busca estimulá-lo e vê com otimismo as perspectivas de progressão na senda da justiça, reparação e não repetição dos crimes praticados pela ditadura militar, e eliminação de todos os entulhos autoritários.

Preocupa-nos, contudo, a tentativa de limitar as investigações e reduzir a abrangência dos casos apurados. Exigimos a apuração de todos os casos de tortura, sequestro, assassinato, estupro (crimes sexuais), genocídio, etnocídio, entre outros, e especialmente os desaparecimentos forçados.

Entendemos nula a auto-anistia e imprescritíveis os crimes praticados por agentes do Estado ou a seu mando. Exigimos o respeito à nossa Constituição, aos tratados internacionais de Direitos Humanos e o cabal cumprimento da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Araguaia).

É indispensável a garantia de segurança para todos/as aqueles/as que se disponham a oferecer informações que há muito vêm sendo omitidas e sonegadas. Desde a morte do delegado Sérgio Fleury, em São Paulo, paira sobre cada torturador uma ameaça permanente de queima de arquivo. A recente morte do torturador Paulo Malhães, no Rio de Janeiro, nos leva a cobrar da CNV e do Ministério da Justiça a proteção para todos/as aqueles/as ouvidos/as nas diferentes comissões e ouvidorias.

A RBMVJ reafirma seu compromisso com a construção da democracia no Brasil. Defende a memória da luta contra a ditadura, a completa apuração da verdade sobre os crimes de lesa-humanidade e os de lesa-pátria, a identificação e punição de todos os agentes do Estado e civis envolvidos.

A Justiça é fundamental não somente para as vítimas e seus familiares, mas para toda a sociedade brasileira, constituindo-se num marco democrático.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!

Espírito Santo, dia 25 de maio de 2014. 

Rede Brasil - Memória, Verdade, Justiça

Justiça militar custa R$ 422 milhões por ano para o contribuinte.

Justicia militar

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um grupo de trabalho, formado por seis representantes do órgão, para analisar a questão em abril de 2013. Na reunião que criou a equipe, os conselheiros do CNJ criticaram o Código Penal Militar e as regras de prescrição dos crimes. Porém, até hoje, não temos notícias da conclusão dos trabalhos, mas o contribuinte continua pagando a conta de um tribunal de guerra em tempo de paz.

A justiça militar consome R$ 422 milhões por ano. Só o Superior Tribunal Militar é responsável por um gasto de R$ 322 milhões.

O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo responde por R$ 40 milhões dos gastos, o de Minas, por R$ 30 milhões e do Rio Grande do Sul, por mais R$ 30 milhões.

O Superior Tribunal Militar gasta sozinho um terço do orçamento do STJ, o Superior Tribunal de Justiça. O baixo número de processos julgados está na mira do CNJ.

Fonte: JusBrasil

1ª Turma do STF mantém na Justiça Militar ação contra civil acusada de desacato a militar.


Ao apreciar o Habeas Corpus (HC) 112932, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal Militar, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que compete à Justiça Militar processar e julgar uma civil acusada de desacato praticado contra militares das Forças Armadas que atuavam processo de pacificação dos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro (RJ).

O relator do HC, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a submissão de civil à Justiça Militar em tempos de paz é prevista no Código Penal Militar (CPM) em algumas hipóteses, entre as quais o crime praticado contra militar no desempenho de serviço de preservação da ordem pública.

“Essa é uma exceção. Embora essa seja uma função atípica, é prevista em lei, e se as Forças Armadas estão em função de segurança pública, devem ter esta proteção institucional”, ponderou o relator.

O ministro lembrou que o Plenário do STF reconheceu a constitucionalidade do artigo 9º do Código Penal Militar (CPM), que admite a competência da Justiça Militar para processar civis em tempos de paz em alguma situações. Destacou, ainda, não ser possível a suspensão do processo, também pedido pela Defensoria Pública da União (DPU), que fez a defesa da acusada, pois a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) veda a aplicação de suas disposições no âmbito da Justiça Militar.

O caso levado a julgamento refere-se a desacato a militares por uma moradora do Complexo do Alemão, que se recusou a obedecer determinada ordem durante operação no local.

Após a denúncia, foi impetrado habeas corpus no STM alegando incompetência da Justiça Militar, porque a atividade de policiamento não constituiria atividade tipicamente militar, mas o pedido foi negado por aquela corte. Em seguida, houve a impetração de HC no Supremo, que foi julgado extinto hoje pela 2ª Turma, em razão da inadequação da via processual, uma vez que foi apresentado em substituição ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Ainda conforme destacaram os ministros, no caso em análise não há ilegalidade para a concessão da ordem de ofício.