sexta-feira, 29 de março de 2013

Marinheiro perseguido pela ditadura narra fugas, prisões e torturas

Antonio Duarte dos Santos viveu entre o cárcere e as ruas por ser contra o autoritarismo nas Forças Armadas. Na última escapada, cruzou o país clandestino, foi até Cuba de barco e chegou à Suécia.

Aquela ação não durou mais de cinco minutos. Às seis horas da tarde, depois de três anos de um planejamento minucioso, Antonio Duarte dos Santos e um grupo de nove colegas – entre eles seu irmão – conseguiram escapar da prisão de Ilha das Cobras. Com armas contrabandeadas, renderam os guardas da frente da prisão, entraram em um carro que parou na porta da penitenciária e sumiram pelas ruas do Rio de Janeiro. A fuga foi bem sucedida. Anoiteceu e o grupo não foi encontrado. Depois de driblar a segurança, trocaram o carro por uma Kombi e se esconderam na mata em Angra dos Reis. “Nós só tínhamos um lugar por onde eles nunca imaginam que a gente ia passar: pelo portão principal”, relembra o ex-marinheiro sobre aquele maio de 1969. 

Duarte esperava aquele momento desde que havia sido escoltado pelos fuzileiros navais ao chegar na prisão. “Tentava lembrar-me da última vez em que tinha, sem maiores preocupações, vagabundeado pela Rua da Lapa, sentado à mesa do café, ao pé dos arcos”, relata em um de seus livros, “A luta dos marinheiros”. Seu crime: não concordou com a instauração do regime militar. 

Nascido em Natal, Rio Grande do Norte, ingressou na Marinha em 1958, quando entrou para a Escola de Aprendizes de Marinheiros em Recife, Pernambuco. Em 1964, era marinheiro, servindo no Rio de Janeiro. Duarte nunca foi membro do Partido Comunista. Afirma que conhecia, respeitava, mas que seu único partido era a a luta travada contra a repressão da Administração Naval. Segundo ele, é possível estimar em 1.500 o número de marinheiros processados e perseguidos pela ditadura. 

Antes do golpe, foi participante ativo da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, da qual José Anselmo dos Santos – cabo Anselmo – era presidente. Os dois serviram e militaram juntos, antes de Anselmo se tornar um colaborador da ditadura. Duarte foi um dos protagonistas da Rebelião dos Marinheiros, de 25 a 28 de março de 1964, movimento que serviu como um dos pretextos para o golpe. Antes mesmo de lutar por comunismo, argumenta ele, a luta do grupo era motivada por melhores condições de trabalho e de vida. 

Com o golpe, os navios ficaram vazios e começou o processo de identificação de marinheiros que frequentavam o sindicato. “Fui expulso no dia 2 de abril. Eu não voltei mais, fiquei dois anos na ilegalidade até ser preso...”. Durante a clandestinidade, ficou em São Paulo com outros militares que tentavam articular uma forma de resistência armada, anos depois fracassada. “Fui morar em uma casa no Ipiranga, fui conspirar. Eles moravam em uma casa enorme no Ipiranga. Só tinha militar lá, tinha sargento, marinheiro, tinha uns dez militares lá”. 

Foi quando, em junho de 1966, viajou ao Rio de Janeiro para executar uma tarefa da organização e foi preso. “Fui ajudar uma menina, irmã de um amigo. Ele não falou nada das condições do quarto. Quando estou lá dentro, chega o Senimar. Eles tinham falado para uma senhora que morava na frente 'se alguém chegar aqui tentando tirar alguma coisa desse quarto, a senhora me chama'. Para eles, foi uma alegria danada", lembra. Duarte tentou uma primeira fuga, sem sucesso, dando uma cotovelada em quem lhe segurava enquanto era transportado. “Corri, entrei no ônibus e disse pro motorista ir embora, e ele disse 'calma, estou manobrando'. Corri de novo e alguém colocou um pé na minha frente, tropecei e foram me pegar lá na Praça Mauá”. Desde então, passou a ser transportado sempre com algemas. 

Foi levado então para a penitenciária Lemos Brito, onde ficou três anos. Depois foi julgado e condenado a 12 anos de prisão. “Foram dias abomináveis em que causas diversas pareciam sufocar os nossos desejos de renovação. As únicas pessoas que apoiavam aqueles lutadores anônimos no cárcere eram os estudantes que se comprometiam com aquela aventura revolucionária”, conta. 

Foi então que lhe surgiu a ideia de escapar. Depois de sair, se refugiou primeiro em Cuba depois de sair da prisão, em 1969. Foi por Goiás, atravessou a Bolívia e seguiu para a ilha em um navio cubano. Depois se estabeleceu na Suécia. No exílio, se graduou em Antropologia na Universidade de Estocolmo. Passados dez anos, já quando havia anista, regressou ao Brasil. “Voltei porque eu queria lutar, achava que a luta ia continuar, de uma forma diferente. Mas não foi possível, não. É outro país, é outro mentalidade”, lamenta. 

Documentos da ditadura estarão disponíveis na internet na segunda

De acordo com o Ministério da Justiça, as informações, além de serem um importante registro histórico, poderão facilitar o trabalho de reparação feito pela Comissão de Anistia

Os arquivos e prontuários do extinto Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo, (Deops), órgão de repressão do país no período da ditadura, poderão ser acessados na internet a partir da próxima segunda-feira (1º). Ao todo, cerca de 1 milhão de páginas de documentação foram digitalizadas.

O trabalho é resultado da parceria entre a Associação dos Amigos do Arquivo Público de São Paulo e o projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

De acordo com o Ministério da Justiça, as informações, além de serem um importante registro histórico, poderão facilitar o trabalho de reparação feito pela Comissão de Anistia, uma vez que poderão ser usadas como ferramenta para que perseguidos políticos consigam comprovar parte das agressões sofridas.

A digitalização dos documentos foi feita em dois anos e deve continuar até 2014. Para a realização do trabalho, a Comissão de Anistia transferiu mais de R$ 400 mil à Associação de Amigos do Arquivo. Em dezembro de 2012, o Ministério da Justiça autorizou novo repasse, de mais R$ 370 mil, para digitalização de outros acervos.

A cerimônia de lançamento do portal na internet está marcada para a próxima segunda-feira, as 10h30, no Arquivo Nacional de São Paulo.

sábado, 16 de março de 2013

Reparação justa: atestado de óbito com real causa mortis de Herzog

Na mesma cerimônia em memória do líder estudantil Alexandre Vannuchi Leme - assassinado pela ditadura há 40 anos - realizada na Geologia da USP, os familiares do jornalista Vladimir Herzog, também morto pela repressão ditadura militar, receberam um novo atestado de óbito. O documento agora traz como causa da morte "lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório nas dependências do segundo Exército DOI-COCI". No atestado anterior, a versão para a morte era de "enforcamento por asfixia mecânica".

A correção no atestado de óbito foi determinada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em setembro do ano passado. O juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do TJ-SP, acatou iniciativa da Comissão Nacional da Verdade (que apura as violações de direitos humanos durante a ditadura militar), que pediu a colocação da real causa da morte do jornalista no atestado.

Para Ivo Herzog, filho de Vlado, o atestado tem dupla importância. “Significa enterrar um documento mentiroso que humilhava a família tendo que aceitar uma farsa para a morte do meu pai e significa abrir precedentes para outras famílias fazerem o mesmo”, justificou.

Ivo adianta que, para a sua família, a luta não termina com a emissão do documento. “A nossa luta continua porque a gente quer ainda que sejam investigadas quais as circunstâncias da morte do meu pai”, adiantou ele.

Para família, mudança resulta da luta de toda a sociedade

Participante da cerimônia, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, deu razão à família Herzog. Ela observou que a democracia é um processo constante e nunca está concluído. “Ela vai avançando quando o governo representando o Estado assume uma visão democrática e diz publicamente que renuncia a toda a forma de violência e terrorismo de Estado como ocorreu no período da ditadura”, disse.

Para Clarice Herzog, viúva da vítima, o novo atestado é motivo de alívio. “Fiquei muito feliz. Não é uma conquista só da família, mas da sociedade. Várias famílias agora vão ter esse direito, também, como nós tivemos. A grande conquista foi de anos atrás, quando houve a sentença do juiz”, declarou.

Desde 2001, foram feitos mais de 70 mil pedidos de anistia ao governo. Desse total, 1/3 foi deferido com pagamento de indenização; outro 1/3 foi deferido sem indenização; e o restante indeferido por falta de provas, informou o secretário da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão.

Proposta para o Aprofundamento das Investigações sobre o Genocídio dos Waimiri-Atroari*

*Nota do Comitê pela Verdade memória e Justiça do Amazonas.

Em sua reunião ordinária do dia 25 de fevereiro, na Sede do Sindicato dos Jornalistas em Manaus, presentes representantes de 12 entidades, o Comitê da VMJ do Amazonas, preocupado com a lentidão do andamento das investigações sobre o caso Waimiri-Atroari, formulou o seguinte documento:


No início de 1985 quando se vislumbrava novos tempos para o país, com a queda da Ditadura Militar, o então presidente da FUNAI, Gerson da Silva Alves, atendendo a reivindicação de diversos grupos (funcionários da FUNAI, acadêmicos, professores de universidades, advogados, pessoas ligadas aos movimentos populares e conhecedores da dolorosa situação a que os Waimiri-Atroari foram relegados durante a Ditadura), criou um Grupo de Estudos e de Trabalho – GT (ver anexo) que serviu em seguida de base para um grupo de ação que iniciou uma nova postura e relacionamento com este povo. Durante os dois primeiros anos, após a ditadura, esse grupo atuou com bastante liberdade na área Waimiri-Atroari. Apesar de não ser o foco do grupo pesquisar a história daquele povo indígena, foi graças a ele que se conseguiram os poucos depoimentos dos próprios Waimiri-Atroari sobre os massacres cometidos pelo governo militar. Entretanto, esse trabalho não agradou às empresas invasoras do território indígena, em especial, a Mineração Paranapanema e a Eletronorte. Certamente por preção política destas empresas, dirigentes da FUNAI e Posteriormente o Programa Waimiri-Atroari (PWA) expulsaram os atores do novo processo iniciado e que denunciavam a violência cometida contra os Waimiri-Atroari.

Com a repercussão internacional das denúncias dos crimes que continuavam sendo cometidos contra os Waimiri-Atroari, o Banco Mundial (que financiava a construção da Hidrelétrica de Balbina) obrigou a Eletronorte a criar um plano de compensações por danos ambientais ao território indígena. O resultado foi a criação do Programa Waimiri-Atroari, que durante os últimos 25 anos (de indigenismo empresarial) atuou como único interlocutor do povo Waimiri-Atroari. Obviamente, nada mais avançou no processo de revelação dos crimes da ditadura militar e o depoimento dos índios foi interrompido. No ano passado, em nota, a Eletrobrás afirmou desconhecer os crimes cometidos contra os Waimiri-Atroari durante a ditadura, ao mesmo tempo, vem alegando que os mesmos não desejavam mais se referir a aquele tempo de sofrimento.

Agora ao findar o PWA, previsto para maio próximo, o Comitê da Verdade, Memória e Justiça do Amazonas propõe:

1º. Realização de uma reunião em Brasília, a ser imediatamente marcada, para avaliar as causas da dificuldade de levantar os dados sobre os crimes cometidos contra os Waimiri-Atroari e pensar estratégias para que se garanta o direito a Verdade a este povo. Para esta reunião devem ser convidados os integrantes do GT de 1985, ou seja, as lideranças Waimiri-Atroari, Mário Paruwe Atroari e Viana Wome Atroari, o ex-funcionário da FUNAI, José Porfírio de Carvalho (atualmente indigenista assessor da Eletronorte), o então delegado da 1ª.DR da FUNAI, Sebastião Amâncio, @s então funcionári@s da FUNAI Egypson Nunes Correia e Ana Lange, o advogado do CIMI, Felisberto Damasceno (atualmente assessor na Câmara Federal), o indigenista do CIMI, Egydio Schwade (atualmente coordenador do Comitê pela Verdade Memória e Justiça do Amazonas e da Casa da Cultura do Urubuí) e o pesquisador do Museu Emílio Goeldi, Stephen Baines (atualmente professor da UNB). São as pessoas ainda vivas e que integraram o Grupo de Trabalho que reencaminhou a política indigenista Waimiri-Atroari em 1985, quando da queda da Ditadura. Todos, menos José Porfírio de Carvalho e Sebastião Amâncio, foram afastados da área quando da criação do Convênio FUNAI-Eletronorte que redundou no PWA, comandado desde então por José Porfírio de Carvalho.

Além dessas pessoas sugerimos a participação de Marta Azevedo (Presidente da FUNAI), Maria Rita Kehl (CNV), Paulo Maldus (Secretaria dos Movimentos Sociais da Presidência da República), Luiza Erundina (Secretária da Comissão VMJ da Câmara Federal), Gilney Viana (Secretaria de Direitos Humanos da Pres. da República), Cleber Busatto (Secretário Executivo do CIMI), Dr. Julio José Araujo Junior, (procurador do MPF do Amazonas encarregado das questões envolvendo direitos indígenas), Gerson da Silva Alves (1º presidente da FUNAI após a ditadura militar) e outras pessoas que eventualmente fossem sugeridas. Pelo Comitê do Amazonas, participariam, além das pessoas já referidas, Wilson Reis (coordenador do Comitê da VMJ do Amazonas e presidente do Sindicato dos Jornalistas do Amazonas), Osvaldo Coelho (Associação dos Docentes da Universidade do Amazonas), Francisco Loebens (do CIMI-Norte I), o Dep. Estadual José Ricardo (PT-AM). E outros que forem sugeridos.

2º. Numa segunda etapa uma reunião igualmente ampla a ser realizada dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari para informá-los sobre a existência e o papel da Comissão Nacional da Verdade e do Comitê Estadual da Verdade do Amazonas bem como do direito que eles têm de que a verdade sobre sua história seja contada.

Por fim, estamos deveras preocupados com o andamento do trabalho da CNV com respeito ao caso Waimiri-Atroari. O relatório do Comitê da VMJ do Amazonas foi o primeiro Relatório Coletivo que a Comissão recebeu, conforme declaração do representante da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Gilney Viana, na oportunidade da entrega na sede da OAB-Amazonas, no dia 17 de outubro de 2012, portanto, há quase meio ano. Até o momento não recebemos nenhuma informação sobre o andamento desse trabalho em especial ao necessário aprofundamento das investigações a não ser a acusação de recebimento e de que o mesmo estava sendo lido atentamente.

Fonte: http://urubui.blogspot.com.br/