terça-feira, 23 de abril de 2013

CNV vai investigar crimes contra Xavante de Marãiwatsédé durante a ditadura

Xavante de Marãiwatsédé entregam em Brasília relatório para Comissão Nacional da Verdade denunciando violações dos direitos ligados à luta pela terra.

Nesta terça-feira, uma comitiva composta por aproximadamente 24 Xavante da Terra Indígena Marãiwasédé (MT) vai entregar oficialmente à Comissão Nacional da Verdade um relatório demandando exame e esclarecimento sobre as violações dos direitos humanos de que esse grupo foi vítima durante a ditadura militar.

O documento elaborado pela organização indigenista Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Associação Indígena Bö’u resgata registros históricos que provam a ocorrência de violações aos direitos humanos nas décadas de 1940 e 1960. Esse estudo preliminar tem grande relevância ao contribuir para um maior entendimento da sociedade sobre o processo de invasão ao território de Marãiwatsédé desde os anos 40, que resultou em escravidão dos indígenas, extermínio de aldeias, assassinatos com requintes de crueldade, remoção forçada de sua terra sagrada e, por fim, um longo processo de desagregação, conforme demonstram os documentos oficiais anexados ao relatório.

Os Xavante foram oficialmente contactados pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e pelas frentes de expansão agropastoris no nordeste de Mato Grosso em 1946. O grupo que vivia na região de Marãiwatsédé foi o último resistente à saída de seu território tradicional. Em poucos anos, intensificou-se um processo de desterritorialização compulsória decorrente de ações de extermínio por meio de expedições punitivas e de dispersão de doenças para as quais o organismo dos indígenas não dispunha de defesa.

Até meados do século XIX, a população xavante era estimada entre 3 mil e 5 mil indivíduos. Em 1958, calculava-se um número em torno de 1.100 pessoas. “Este acentuado decréscimo populacional deve-se ao avanço das frentes de expansão colonial, fruto de movimentos espontâneos ou atinentes às políticas governamentais”, diz um trecho do relatório, que recupera ainda depoimentos de um antigo morador de São Félix do Araguaia que realizou a interlocução do Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do Relatório de Identificação da Terra Indígena Marãiwastédé. Segundo ele, em 1961, pequenos posseiros já haviam se dispersado pelo território Xavante. Muitos moravam nas regiões das aldeias e era comum neste “avanço da população nacional em território Xavante [...] a organização de expedições punitivas que visavam matar o maior número possível de índios”. Esses crimes ocorridos nos anos 1950 deixaram o território Xavante invadido e diminuído no início da ditadura militar.

Em 1962, foi formalmente criada a “Agropecuária Suiá-Missu Limitada”, de propriedade do grupo Ometto e de Ariosto da Riva. A instalação desta fazenda em pleno território xavante aumentou ainda mais a pressão sobre as já reduzidas aldeias de Marãiwatsédé. Depois da transferência de todo o grupo de Marãiwatsédé para uma aldeia construída a cerca de 2 km da sede da fazenda Suiá-Missú, os Xavante trabalharam na derrubada da vegetação nativa para a formação de pistas de pouso de avião, de roças e de pastos para a criação de gado. Segundo Damião Paridzané, cacique da TI Marãiwatsédé, “foi trabalhando como [...] escravo, morreu muita gente. Trabalhando sem receber dinheiro, sem ganhar nada, sem assistência de saúde nenhuma. (O Ariosto) só dando comida, arroz limpo. Não é arroz inteiro, é quebradinho.”, diz outro trecho do relatório.

Com o fim da sociedade entre da Riva e a família Ometto, os latifundiários dispensaram os “serviços” dos indígenas e transferiram os Xavante para uma área que não oferecia condições de sobrevivência, pois permanecia inundada durante oito meses por ano. Ali, ficaram expostos à fome, doenças e por não conseguirem plantar. Eles só saíram para a sede da Suiá-Missú em agosto de 1966, de onde foram transportados compulsoriamente para a Missão Salesiana de São Marcos, localizada a mais de 400 km ao sul de seu antigo território. Esta transferência dos 263 remanescentes de Marãiwatsédé foi realizada a pedido de Orlando Ometto com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e permissão do SPI, tendo ainda apoio da Missão Salesiana.

Desestruturados politicamente, pois vários líderes haviam morrido, e fora de suas aldeias, os Xavante se dispersaram, mas iniciaram uma histórica luta que durou 46 anos e foi protagonizada pelos sobreviventes e descendentes do grupo retirado de Marãiwatsédé até a retomada de seu território, com o notável processo de desintrusão da terra indígena, concluído em janeiro de 2013.

Esta dramática história demonstra que os Xavante de Marãiwatsédé tiveram seus direitos humanos violados e que o Estado brasileiro foi pelo menos em parte responsável por este processo, pois ignorou as diversas solicitações formais de servidores públicos em favor da proteção da integridade física dos índios e de seu território. “Quando deveria garantir o direito dos Xavante às suas terras, não apenas autorizou sua deportação, como forneceu os aviões utilizados para a transferência compulsória dos remanescentes de Marãiwatsédé. Essa postura condescendente com os invasores de Marãiwatsédé se deve às sucessivas políticas de exploração econômica da Amazônia, para as quais os Xavante sempre foram vistos como obstáculos que deveriam ser retirados do caminho”, finaliza o relatório.

sábado, 20 de abril de 2013

Comissão da Verdade realiza missão na Argentina

Comissão visitará arquivos e se reunirá com órgãos governamentais e representantes da sociedade civil do país vizinho

A Comissão Nacional da Verdade inicia nesta quarta-feira na Argentina uma missão de três dias em busca de documentos e informações sobre brasileiros desaparecidos no exterior durante o período da ditadura de 64. O coordenador Paulo Sérgio Pinheiro, acompanhado de dois pesquisadores da CNV, visitará os principais arquivos do país e se reunirá com entidades da sociedade civil e representantes de instituições de governo que trabalham com os temas Direitos Humanos e ditadura no país vizinho.

A viagem faz parte dos trabalhos do GT que estuda casos de violações de Direitos Humanos cometidas contra brasileiros no exterior e cometidas contra estrangeiros no Brasil no período da ditadura militar (64-85) e do GT Condor. Além de 11 casos de brasileiros desaparecidos na Argentina, a CNV também busca informações sobre seis argentinos que desapareceram no Brasil entre 1974 e 1980. Outros cinco casos de brasileiros desaparecidos no exterior também serão investigados nos acervos argentinos.

A CNV não só buscará informações sobre os militantes desaparecidos, mas também solicitará buscas a respeito de 37 organizações políticas sujeitas a repressão e 17 órgãos de repressão e inteligência brasileiros que atuaram entre 1946 e 1988. Acredita-se que documentos e registros produzidos pela ditadura brasileira possam estar espalhados em acervos fora do Brasil, como uma estratégia dos regimes autoritários para dificultar o acesso às informações.

Entre os dias 17 e 19 de abril, os integrantes da CNV serão recebidos pela coordenação do Arquivo Geral da Chancelaria, pela direção do Arquivo Nacional da Memória, pela Procuradora Geral da República Argentina, Alejandra Gils Garbó, pelo Secretário de Direitos Humanos da Nação, Martín Fresneda, e pelo chanceler argentino, Héctor Timerman.

"A experiência pioneira da Comissão Ernesto Sabato, a Conadep, a Comissão Nacional dos Mortos e Desaparecidos na Argentina, nos anos 1980, é uma referência para a CNV. Depois dela, o formidável trabalho de recuperação da memória, documental ou dos lugares da repressão, é fundamental para nosso trabalho. Além disso, há fontes documentais decisivas pra reconstituir as graves violações cometidas contra brasileiros nos periodos de ditadura nesse país. É admirável o apoio e a colaboração que estamos recebendo das instituições irmãs da CNV aqui em Buenos Aires", afirmou Paulo Sérgio Pinheiro logo após chegar à capital portenha.

A CNV se reunirá também com ONGs de reconhecida atuação na busca e preservação da memória, como Abuelas de Plaza de Mayo, Madres de Plaza de Mayo, Asociación Permanente por los Derechos Humanos (APDH), Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), Memoria Abierta e a Unidade de Direitos Humanos do Conselho da Magistratura.

A equipe da CNV também visitará a Embaixada do Brasil em Buenos Aires.

MPF ajuíza 14 ações civis públicas pelo país em defesa das terras indígenas


Aproveitando o Dia do Índio, também foram expedidas 11 recomendações a instituições públicas e empresas privadas.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuízou, sexta-feira, 19 de abril, 14 ações civis públicas visando garantir terras que povos indígenas tradicionalmente ocupam. Além disso, estão sendo expedidas 11 recomendações para instituições públicas e empresas privadas. As ações abrangem 10 estados brasileiros. 

Embora a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, garanta aos povos indígenas a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles, ainda há muito o que se fazer para que a legislação seja cumprida. A ideia, muitas vezes difundida por aqueles contrários aos direitos indígenas, de que 'há muita terra para pouco índio' decorre justamente do desconhecimento das distintas lógicas espaciais dos povos indígenas, principalmente daqueles que vivem em áreas da floresta amazônica. É fruto também da ocultação da realidade fundiária da maior parte dos povos indígenas das demais regiões brasileiras, onde as dimensões das terras que lhes foram reconhecidas são, em não poucos casos, insuficientes para sua reprodução física e cultural.

Também é muito importante sabermos que a demora do Estado para regularizar terras indígenas deixa tal parte da população vulnerável. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, as terras que continuam sem regularização final, mesmo as registradas e declaradas, são mais expostas a invasões, ocupações, desmatamento e exploração ilegal de recursos naturais.

Confira detalhes sobre as ações civis públicas ajuizadas e as recomendações expedidas

Amapá - Em ação civil pública, o MPF no Amapá pede, em caráter de urgência, a anulação e o cancelamento de qualquer cadastro ou autorização – mesmo que de mero estudo minerário – para futura exploração em terras indígenas. O MPF também quer que seja mantida a proibição de lavras garimpeira e minerária nessas áreas. Atualmente, mais de 500 requerimentos para pesquisa e exploração de minério em terras indígenas do Amapá tramitam no Departamento Nacional de Produção Mineral. Com a decisão favorável, o MPF espera que sejam anulados títulos minerários nominados e inominados emitidos pela autarquia para essas áreas. Dessa forma, a instituição pretende evitar a lesão e assegurar os direitos dos índios.

Amazonas - O MPF ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal para que a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) providenciem imediatamente a realização de estudos de revisão dos limites da terra indígena Waimiri Atroari. Em 2008, o MPF já havia expedido recomendação solicitando à Funai e à União os estudos de revisão por conta de parte da área habitada tradicionalmente pelos indígenas ter sido ocupada pelas instalações da Usina Hidrelétrica de Balbina. “Após o decurso de mais de quatro anos desde que a Funai manifestou interesse em realizar os estudos recomendados, a terra indígena Waimiri Atroari e, consequentemente, o povo que a habita, vem suportando os encargos das mais variadas e gradativas pressões, inerentes ao desenvolvimento econômico que incide sobre a região amazônica”, declarou o procurador da República Julio José Araujo Junior.

Em outras duas ações civis públicas, o MPF aciona a Justiça para que a Funai conclua os processos demarcatórios das Terras Indígenas Ponciano e Murutinga, do povo indígena Mura, localizadas no município de Autazes. Desde o ano passado, os estudos de identificação das áreas estão finalizados, mas a Funai não encaminhou os processos ao Ministério da Justiça.

O MPF recomendou ainda que o município de Autazes suspenda a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) no interior da Terra Indígena Pantaleão, cujo processo demarcatório está em andamento, na fase de análise do relatório de fundamentação antropológica pela Funai.

Com o objetivo de garantir a atenção de saúde a comunidades indígenas ainda não atendidas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Manaus, o MPF recomendou ao Dsei e à Coordenação Regional da Funai na cidade que analisem a questão, identificando as comunidades ainda não atendidas, e elaborem plano de atendimento às regiões identificadas, no prazo máximo de três meses.

Bahia - O MPF ajuizou três ações contra a União e a Funai, buscando a conclusão de processos de demarcação de terras e a relocação de comunidades não indígenas que vivem em territórios já demarcados. As ações são propostas pelo procurador da República Leandro Mitidieri, que atua no município de Paulo Afonso, e favorecem as comunidades Tumbalalá (Abaré), Truká-Tupã (Paulo Afonso), Xukuru-Kariri de Quixaba (Glória), Pankararé do Brejo do Burgo (Glória) e Kaimbé Massacará (Euclides da Cunha) e Atikum (Rodelas). Para ele, os problemas relacionados às terras indígenas devem ter solução prioritária, uma vez que, sem território demarcado, os indígenas têm enorme dificuldade de acesso a serviços públicos, principalmente à saúde e à educação. “As comunidades indígenas do nordeste sofreram o primeiro impacto da colonização e são algumas das mais desagregadas do Brasil. Os problemas que diversos índios sofrem agora no país, com a criação de hidrelétricas que inundam suas terras, foram vivenciados pelos índios do norte da Bahia na década de 1980, e o processo de relocação destas comunidades nunca foi concluído”, explica Mitidieri.

Maranhão - No Maranhão, os procuradores da República Natália Lourenço Soares e Douglas Guilherme Fernandes, da Procuradoria da República no Município de Imperatriz (PRM/Imperatriz), expediram recomendação para que seja finalizado o processo de desintrusão da terra indígena Krikati e propuseram ação civil pública contra a Eletronorte. Neste último caso, pedem para que o componente indígena seja levado em consideração na renovação do licenciamento ambiental de torres que passam em território indígena e e também a execução de liminar concedida pela Justiça Federal que determina a inclusão do componente indígena nas medidas de segurança do uso da MA-280. A estrada corta 32 quilômetros de terra indígena, colocando em risco a segurança da comunidade.

Para a procuradora da República Natália Lourenço Soares, a movimentação em prol do Dia do Índio significa mais do que demarcar terras, buscando a segurança desses povos. “Essas ações são importantes para garantir aos indígenas o usufruto exclusivo de suas terras. Mas a questão vai além, porque proteger os territórios indígenas também traz reflexos para o meio ambiente e preservação dessas áreas, além de evitar conflitos entre os índios e pessoas estranhas que ocupam o território deles”, afirma.

Mato Grosso - Em Mato Grosso, o Ministério Público Federal propôs ação civil pública para que a Funai adote as medidas administrativas necessárias para concluir a demarcação da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados, de ocupação tradicional dos Apiaká, Munduruku e isolados, localizada no município de Apiacás, no extremo norte do Estado, na divisa com o Amazonas e Pará.

Os estudos de identificação e delimitação da terra indígena foram aprovados em 2011, porém não foram encaminhados para que o Ministério da Justiça, responsável pela edição da portaria de declaração dos limites da terra indígena, providencie a demarcação física, homologação e registro em Cartório. De acordo com a procuradora da República Marcia Brandão Zollinger, "a morosidade do procedimento, paralisado há praticamente um ano e sete meses, sem remessa ao ministro da Justiça, tem ocasionado aos indígenas, além dos danos inerentes à inexistência do território demarcado, dificuldades ligadas à sua subsistência".

A demora imposta ao povo Apiaká e Isolados em ver reconhecido seu território de origem perdura desde 1999, ou seja, há mais de 14 anos.

Pará - O MPF programou para este Dia do Índio o ajuizamento de ação sobre o descumprimento das medidas de proteção das Terras Indígenas (TIs) afetadas pela hidrelétrica de Belo Monte. As medidas deveriam ter sido providenciadas pelos responsáveis pelo empreendimento, mas, como foram descumpridas, "submetem hoje os povos indígenas do Médio Xingu à situação limítrofe de um etnocídio", denuncia o texto da ação. Assinada pelos procuradores da República Thaís Santi Cardoso da Silva, Meliza Alves Barbosa, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr, a ação pede à Justiça, entre outros requerimentos, a suspensão da licença de instalação da hidrelétrica até que sejam executadas as medidas indispensáveis à proteção das TIs, como a construção de 21 unidades de proteção territorial e a contratação e capacitação de agentes para atuar nessas unidades.

Também será ajuizada ação em favor da demarcação das TIs de Jeju e Areal, do povo Tembé, localizadas em Santa Maria do Pará, no nordeste do estado. O MPF pede à Justiça que obrigue a União e a Funai realizar a demarcação e a desintrusão de eventuais posseiros que se encontrem na área. O procurador da República Felício Pontes Jr. solicitou, ainda, que União e Funai sejam condenadas a pagar indenização de R$ 19 milhões aos indígenas por danos morais coletivos.

Ainda em relação à proteção de TIs, no Pará o MPF comemora esta semana vitória obtida no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). A partir de recurso dos procuradores da República Fernando Antônio Alves de Oliveira Jr., Felipe Bogado e Luiz Antonio Miranda Amorim Silva, o TRF-1 suspendeu a Operação Tapajós, operação militar e policial promovida a mando do governo federal na região da TI Munduruku, onde está planejada a usina hidrelétrica São Luís do Tapajós, no oeste do Estado. A área, que já foi oficialmente reconhecida como indígena, aguarda demarcação.

No Pará o MPF também está levando esses temas para as salas de aula. Os procuradores da República Felipe Bogado e Melina Alves Tostes divulgaram para as secretarias de educação de todos os municípios das regiões de Santarém e Marabá a cartilha sobre direitos indígenas produzida pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Pernambuco - Duas ações civis públicas serão ajuizadas pela PRM/Serra Talhada para garantir a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas no estado. Um dos processos refere-se à comunidade Pipipã, integrada por cerca de 1,3 mil indígenas, que ocupam área no município de Floresta. A responsável pelo caso é a procuradora da República Maria Marília Oliveira de Moura. A outra ação, sob responsabilidade da procuradora da República Sílvia Regina Pontes Lopes, tem como alvo a situação da comunidade Pankará, que vive na Serra do Arapuá, em Carnaubeira da Penha. Nos dois casos, o MPF busca decisão judicial que determine a conclusão do processo demarcatório das terras indígenas, com estabelecimento de prazo pela Justiça Federal.

Uma terceira ação civil pública, de autoria da procuradora da República Sílvia Lopes, tem por objetivo garantir a conclusão do processo de desapropriação por interesse social da Ilha de Tapera, para criação de reserva indígena que abrigue os dissidentes da etnia Truká. Conforme laudos antropológicos analisados pelo MPF, divergência entre grupos que antes viviam juntos na área já demarcada para os trukás, na Ilha de Assunção, inviabiliza a convivência dos indígenas na mesma terra.

A PRM/Serra Talhada vai expedir também recomendação ao Incra para que seja concluído o processo de desintrusão da área indígena Atikum, que faz limite com a Comunidade Quilombola de Conceição da Crioulas, no prazo de um ano. Conforme apurado pela procuradora da República Sílvia Pontes, a presença de pessoas não integrantes da comunidade indígena no local vem prejudicando o pleno usufruto da terra pelos atikums. O MPF recomendará ainda a Funai, Incra e Fundação Cultural Palmares a formação de grupo técnico para apurar as necessidades das populações indígenas e quilombolas vizinhas.

Rondônia - O MPF encaminhou recomendação à Funai para que conclua o procedimento de revisão de demarcação da terra indígena Rio Negro Ocaia (município de Guajará-Mirim, da etnia Wari), cujos estudos técnicos foram aprovados pelo Ministério da Justiça por meio da Portaria nº 185 de 14 de fevereiro de 2011. Além disso, o órgão tem 16 inquéritos civis públicos (investigações) abertos sobre questões relativas a áreas pleiteadas pelos indígenas e ainda não demarcadas, pretensões de revisões territoriais e invasões em territórios tradicionalmente ocupados.

Roraima – O MPF expediu recomendação à superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para que seja feita a fiscalização e vistoria in loco das fazendas situadas em áreas invadidas na Terra Indígena Yanomami, na região do Rio Ajarani. Durante essa semana em que se comemora o Dia do Índio, o Ibama deu início às fiscalizações. O MPF quer que sejam feitas autuações de todos os crimes ambientais e infrações administrativas constatados na região do Ajarani, em virtude das invasões ilegais, e seja feita aferição do dano ambiental na área fiscalizada, para posterior reparação pelos responsáveis.

Além disso, o MPF expediu recomendação à Funai para que seja feita confecção de plano de retirada de ocupantes e bens das fazendas localizadas na região do Ajarani, dentro da Terra Indígena Yanomami. O órgão quer ainda que a Funai proceda ao cumprimento do plano de retirada, ultimando a desintrusão da área.

Nesta sexta, o MPF também vai expedir recomendação à empresa OI para instalação de orelhões nas terras indígenas de Roraima. Ontem, promoveu o Debate sobre Mineração em Terras Indígenas, com a participação de representantes indígenas, da Universidade Federal, do Departamento de Produção Mineral e do Instituto Socioambiental. Além disso, promoveu exposição fotográfica aberta ao público intitulada “Taai: um olhar sobre os indígenas de Roraima”.

Santa Catarina - A Procuradoria da República em Joinville expediu duas recomendações para a Funai, já que há um retardo injustificado no início do processo de identificação e demarcação das aldeias Yakã Porã e Yvy Dju/Reta. A situação de Yakã Porã, localizada na Estrada Brüsttein, em Garuva, e Yvy Dju/Reta, situada nas proximidades da BR 280, em São Francisco do Sul, vem sendo acompanhada pelo MPF desde final dos anos 90.

Já a Procuradoria da República em Chapecó obteve na justiça decisão favorável para ação civil pública que condena a Funai a adquirir 500 hectares de terras destinadas aos índios kaingangs da aldeia Kondá. Na quarta-feira desta semana, a PR/SC também realizou vistoria na polêmica área da etnia guarani, com sede no Morro dos Cavalos, em Palhoça. A visita foi um pedido do Ministério Público e foi acompanhada por representantes da Funai, da Justiça Federal, da Fundação do Meio Ambiente (Fatma), da Polícia Federal e das famílias de não índios. O local é alvo de muitas disputas, apesar da demarcação das terras indígenas ter sido publicada em Diário Oficial em 18 de dezembro de 2002.

Parlamentares e indígenas são indicados para Mesa de Negociação



A mesa diretora da Câmara dos Deputados publicou ato do presidente Henrique Alves (PMDB/RN) com os nomes dos dez parlamentares que irão compor, de forma paritária, a Mesa Permanente de Negociações da Questão Indígena, acordada após histórica ocupação do movimento indígena do plenário da casa, contra a PEC 215, durante protestos do Abril Indígena – 2013.

Chico Alencar (PSOL/RJ), Padre Ton (PT/RO), Domingos Dutra (PT/MA), Zequinha Sarney (PV/MA), Ricardo Trípoli (PSDB/SP), Lincoln Portela (PR/MG), Moreira Mendes (PSD/RO), Ronaldo Caiado (DEM/GO), Édio Lopes (PMDB/RR) e Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG) são os parlamentares indicados. 

O ato oficializa a participação indígena na Mesa Permanente de Negociações, porém não especifica quem fará a indicação. Justamente por isso o movimento indígena entregou quinta-feira, 18, para o presidente da Câmara dos Deputados, uma lista com dez representantes – dois de cada região.

São dois nomes por região do país, sendo do Centro-Oeste: Otoniel Ricardo Guarani e Lindomar Ferreira Terena; Sudeste: Avani Florentino de Oliveira Fulni-ô e Paulo Henrique Vicente Tupinikim; Nordeste: Antônio Fernando de Jesus Tuxá e Aurivan dos Santos Barros (Neguinho Truká); Norte: Sônia Guajajara e Ninawá Huni Kui; Sul: Hildo Mendes Kaingang e Marciano Rodrigues Guarani Mbyá.

A lista é decisão da assembleia realizada por cerca de 700 indígenas, de 110 povos, mobilizados pelas organizações Apib (nacional), Coiab (Amazônia), Arpin-Sul (Sul do país), Conselho Aty Guasu (Kaiowá e Guarani), Apoinme (Nordeste e Espírito Santo) e Conselho do Povo Terena para o Abril Indígena.

Outro compromisso firmado como fruto da ocupação é que a comissão criada para analisar a PEC 215, que propõe transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas, quilombolas e a criação de áreas de proteção ambiental, não iniciará os trabalhos pelos próximos seis meses.

Porém, a ampla maioria da base aliada ao Palácio do Planalto se comprometeu a não indicar representantes, a exceção do PMDB e PSD, este último aglutinador da bancada ruralista. Da oposição, apenas o DEM manteve a posição de indicar nomes para a comissão. PSDB e PPS, que acaba de se fundir com o PMN, também mantêm a postura de não indicar.

Existem outros partidos que ainda não se pronunciaram. Na avaliação das lideranças indígenas, com base em análises regimentais, mantida esta correlação de forças a comissão só iniciará seus trabalhos caso o presidente da Câmara, deputado Henrique Alves, indique os representantes. Decisão pouco provável depois das mobilizações desta semana.

“Temos de fechar o compromisso com as lideranças partidárias para que não indiquem, mas sem deixar as mobilizações de lado. Mais do que nunca é hora de nos mantermos em estado de alerta, aqui em Brasília e nas comunidades”, analisou Marcos Apurinã, da Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia (Coiab). 

Ocupação: uma página da história escrita

Ainda ressoa pela imprensa e nos corredores do dia a dia da política em Brasília a ocupação feita pelos indígenas do Plenário da Câmara dos Deputados terça-feira, 16. Afora as gamas de opiniões divididas entre o repúdio ao ato, de longe uma minoria, e a inevitabilidade dele diante da conjuntura, amiúde encontrada entre jornalistas e opinião pública como um todo, a ocupação já é um fato histórico para as lutas populares e o parlamento brasileiro. 

“Muitos disseram que o plenário é inviolável, mas inviolável mesmo são os direitos humanos. A PEC tira do Executivo a demarcação de terras indígenas e quilombolas e deixa para um Congresso tomado por ruralistas decidir”, afirmou Padre Ton (PT/RO). De acordo com o parlamentar, “essa casa ainda não representa o povo; são poucos os eleitos pela consciência do povo, mas a maioria é eleita pelo dinheiro”.

Cena difundida pelo jornalismo televisivo chamou atenção: deputados e deputadas correndo dos indígenas que adentraram o plenário da casa. Os parlamentares largaram computadores, agendas, bolsas e celulares para se esconder. “Foi a primeira que tivemos aqui os caciques da política correndo dos indígenas”, ironizou o deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ).

Para Domingos Dutra (PT/MA) os indígenas deram lição de respeito e educação, pois não vandalizaram nada e tampouco agrediram alguém. “Digo que vocês (indígenas) exerceram um direito sagrado. Não devem se desculpar, porque se não tivessem feito isso (a ocupação) a PEC 215 seria aprovada na semana que vem. Ruim é seguir nas humilhações a que estão submetidos diariamente nas regiões”, afirmou.

Nota pública das lideranças presentes no Abril Indígena em repúdio a presidenta Dilma Rousseff

Foto: Valter Campanato/Abr
Desde que assumiu a presidência, em 2011, Dilma Rousseff tem se negado a dialogar com o movimento indígena. Durante esta semana, em mobilizações legítimas de nossos povos reunidos no Abril Indígena – 2013, fomos recebidos pelos presidentes da Câmara dos Deputados (Legislativo) e do STF (Judiciário). A presidenta Dilma se negou a falar conosco ou marcar audiência para os próximos dias. Por quê?

Nesta quinta-feira, 18 de abril, estivemos no Palácio do Planalto, mais de 700 lideranças, representando 121 povos indígenas. Protestamos porque nossos parentes estão sendo assassinados, porque nossas terras não são demarcadas. Pedimos uma audiência com Dilma, mas o máximo que nos ofereceram foi uma conversa com o ministro Gilberto Carvalho e um encontro com os demais ministros nesta sexta-feira, 19 de abril, Dia do Índio, para o governo ter a foto para suas propagandas de que é preocupado com as questões dos índios.

Não, não queremos mais falar com quem não resolve nada! Há dois anos entregamos, nós povos indígenas, durante o Acampamento Terra Livre 2011, uma pauta de reivindicações para esses ministros e nada foi encaminhado. De lá para cá perdemos as contas de quantas vezes em que Dilma esteve com latifundiários, empreiteiras, mineradores, a turma das hidrelétricas. Fez portarias e decretos para beneficiá-los e quase não demarcou e homologou terras tradicionais nossas. Deixou sua base no Congresso Nacional entregar comissões importantes para os ruralistas e seus aliados.

A gente não negociou nada durante os protestos no Palácio do Planalto. Queríamos dizer o que nos angustia e preocupa; queríamos dizer isso para a presidenta. Dilma está aliada de quem nos mata, rouba nossas terras, nos desrespeita e pouco se importa para o que diz a Constituição. Quando Dilma não diz nada diante de tudo o que vem acontecendo – mortes, PEC 215, PL 1610 – e ainda baixa o decreto 7957/2013 e permite a AGU fazer a Portaria 303, Dilma mostra de que lado está e sua expressão anti-indígena. 

Luziânia, Goiás, 19 de abril de 2013

Povos indígenas reunidos no Abril Indígena - 2013

terça-feira, 16 de abril de 2013

EGYDIO SCHWADE CONCEDE ENTREVISTA À RÁDIO RIO MAR E Á RÁDIO CASTANHO FM


O coordenador do Comitê da Verdade do Amazonas, Egydio Schwade, concederá entrevista às Rádios Rio Mar AM 1290 e Castanho FM 103,3 na próxima sexta-feira, dia 19 de abril de 2013, durante o Jornal Primeira Hora, no quadro "Rio Mar em debate", apresentado por Gecilene Sales e Adeilson Albuquerque. O programa vai ao ar de 8h às 8h45.

Egydio abordará o Relatório do massacre do povo Waimir-Atroari e as demais atividades do Comitê. Participará também do programa a Irmã Edna Pitarelli, Coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), do Regional Norte I, que destacará as pautas do Abril Indígena 2013.

domingo, 14 de abril de 2013

Ex-diretor da PF efetuou extradições ilegais a pedido do departamento antidrogas dos EUA

Pro Marina Amaral – Agência Pública

Documentos mostram que o ex-diretor da PF, general Caneppa, tido como um dos primeiros líderes da Condor, efetuou prisões e extradições ilegais a pedido do departamento anti-drogas americano. Ele já aparecia nas listas de torturadores da ditadura, feitas a partir de documentos e denúncias de presos políticos.

No dia 17 de outubro de 1973, o embaixador americano no Brasil, John Crimmins, escreveu um telegrama confidencial urgente ao Departamento de Estado chefiado por Henry Kissinger. A aflição do embaixador é evidente ao se referir à inesperada chegada ao país de uma equipe de inspeção do GAO (US Government Accountability Office) – agência ligada ao Congresso americano, criada em 1921 e ainda em atividade – com a missão de investigar a adequação e legalidade das atividades das agências federais financiadas pelo contribuinte americano. Inicialmente marcada para o dia 3 de novembro, a antecipação da visita – que desembarcaria na noite do mesmo dia 17 no Brasil – deixou o embaixador em polvorosa. O objetivo da missão era auditar o programa antidrogas desenvolvido pela DEA – Drug Enforcement Administration – no país.

Criada pelo presidente Richard Nixon em julho de 1973, com 1.470 agentes e orçamento de 75 milhões de dólares, para unificar o combate internacional antidrogas, hoje a DEA tem 5 mil agentes e um orçamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora mantivesse escritórios em nove países e representantes nas missões diplomáticas americanas ao redor do mundo (ainda hoje a DEA tem escritórios na embaixada em Brasília e no consulado de São Paulo), desde 1969, quando ainda atendia pelo nome de BNDD (Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs), a missão da DEA sempre foi “lidar com o problema das drogas, em ascensão, nos Estados Unidos”. Sua relação com os outros países, ao menos oficialmente, não previa o combate às drogas em cada um deles; o objetivo era impedi-las de chegar à população americana.

Por que então Crimmins estava tão preocupado com a chegada inesperada da equipe de auditoria ao Brasil? Ele explica no mesmo telegrama a Henry Kissinger: “Os oficiais da embaixada pedem instruções sobre quais os documentos dos arquivos da DEA e do Departamento do Estado, relativos a drogas, devem ser liberados para a equipe do GAO”, escreveu. “Especificamente pedimos orientação sobre os seguintes assuntos: a) os planos de ação antidrogas, levando em conta que nem toda a estratégia sugerida nesses documentos foi aprovada pelo Comitê Interagências (Interagency Commitee) em Washington; b) tortura e abuso durante o interrogatório de prisioneiros; c) o centro de inteligência da Polícia Federal; d) os arquivos de informantes, incluindo os registros de pagamentos; e) operações confidenciais e telegramas de inteligência; f) operações clandestinas, incluindo a transferência de Toscanino do Uruguai ao Brasil; g) documentos de planejamento das alfândegas brasileiras e do departamento de polícia federal”, detalha.

A resposta de Kissinger não consta da base de dados do National Archives (NARA) reunidos na Biblioteca de Documentos Diplomáticos do WikiLeaks, mas a julgar por outros documentos, havia sim motivos para se preocupar. Pelo menos em relação ao único caso específico ali referido: a transferência de Toscanino do Uruguai para o Brasil.

Quatro meses antes da chegada dos auditores do GAO ao Brasil, Francisco Toscanino, cidadão italiano, foi condenado junto com mais cinco réus pelo tribunal de júri de Nova York, em junho de 1973, por “conspiração para tráfico de drogas”. De acordo com uma testemunha presa, que estava colaborando com a polícia em sistema de delação premiada, Toscanino, que morava no Uruguai, estava indicando compradores, em solo americano, para uma carga de heroína enviada de navio e parcialmente flagrada por agentes infiltrados da DEA nos Estados Unidos.

Sequestrado no Uruguai, torturado no Brasil, extraditado aos EUA

Em maio de 1974, porém, Toscanino entrou com recurso na Segunda Instância da Corte de Apelação dos Estados Unidos, alegando que sua prisão havia sido ilegal, de acordo com a legislação americana, por ter se baseado em monitoramento eletrônico irregular no Uruguai. Mais do que isso: ele foi sequestrado no Uruguai e torturado no Brasil antes de ser extraditado aos EUA sem comunicação prévia a autoridades italianas.

Os detalhes estarrecedores dessa história, reproduzidos no documento da corte parecerão estranhamente familiares aos que conhecem as ações da Operação Condor – a articulação da repressão política nesse mesmo período entre ditaduras militares na América Latina. Com exceção, talvez, da preocupação em não deixar marcas de tortura.

“No dia 6 de janeiro de 1973, Toscanino foi tirado de sua casa em Montevidéu por um telefonema, que partiu dos arredores ou do endereço de Hugo Campos Hermedia [na verdade, Hugo Campos Hermida]. Hermedia era – e ainda é – membro da polícia em Montevidéu. Mas, segundo a alegação de Toscanino, Hermedia estava atuando ultra vires [encoberto] como agente pago do governo americano. A chamada telefônica levou Toscanino e sua mulher, grávida de 7 meses, a uma área próxima de um boliche abandonado em Montevidéu. Quando chegaram lá, Hermedia e seis assistentes sequestraram Toscanino na frente da mulher aterrorizada, deixando-o inconsciente com uma coronhada e o jogando na traseira do carro. Depois, Toscanino – vendado e amarrado – foi levado à fronteira do Brasil por uma rota tortuosa”.

Segue o documento: “Em um certo momento durante a longa viagem até a fronteira brasileira houve uma discussão entre os captores de Toscanino sobre a necessidade de trocar as placas do carro para evitar sua descoberta pelas autoridades uruguaias. Em outro ponto, o carro estancou subitamente e ordenaram que Toscanino saísse. Ele foi levado para um lugar isolado, onde o mandaram deitar sem se mexer ou atirariam nele. Embora a venda o impedisse de ver, Toscanino conseguia sentir a pressão do revólver em sua cabeça e ouvir os ruídos do que parecia ser um comboio militar uruguaio. Quando o barulho se afastou, Toscanino foi colocado em outro carro e levado à fronteira. Houve combinações e, mais uma vez, com a conivência dos Estados Unidos, o carro foi tomado por um grupo de brasileiros que levaram Francisco Toscanino (…).”

“Sob custódia dos brasileiros, Toscanino foi conduzido a Porto Alegre onde permaneceu incomunicável por 11 horas. Seus pedidos de comunicação com o consulado italiano e com a família foram negados. Também não lhe deram comida nem água. Mais tarde, no mesmo dia, Toscanino foi levado à Brasília, onde por 17 dias foi incessantemente torturado e interrogado. Durante todo esse tempo, o governo dos Estados Unidos e a promotoria de Nova York, responsável pelo processo, tinham ciência – e inclusive recebiam relatórios – do desenrolar da investigação. Além disso, durante o período de tortura e interrogatório um membro do Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, estava presente em um ou mais intervalos e, na verdade, chegou a participar de partes do interrogatório. Os captores de Toscanino o privaram de sono e de qualquer forma de alimentação durante dias. A nutrição se dava por via intervenosa apenas para mantê-lo vivo. Assim como relatam nossos soldados que voltaram da Coréia e da China, Toscanino era forçado a andar para baixo e para cima por sete ou oito horas ininterruptas. Quando ele não conseguia mais ficar em pé, era chutado e espancado de forma a não deixar marcas. Se não respondia às perguntas, seus dedos eram esmagados com grampos de metal. Jogavam álcool em seus olhos e nariz, e outros fluidos eram introduzidos em seu ânus. Inacreditavelmente, os agentes do governo americano prenderam eletrodos nos lóbulos de suas orelhas, dedos e genitais e deram choques elétricos o deixando inconsciente por períodos que não consegue precisar mas, novamente, sem deixar marcas.”

“Finalmente, no dia 25 de janeiro de 1973, Toscanino foi levado ao Rio de Janeiro onde foi drogado por agentes brasileiros e americanos e colocado no vôo 202 da Pan American Airways (…). Acordou nos Estados Unidos no dia 26 de janeiro, quando foi oficialmente preso dentro do avião e levado imediatamente a Thomas Puccio, assistente do procurador geral dos Estados Unidos. Em nenhum momento durante a captura de Toscanino o governo americano sequer tentou a via legal. Agiu do início ao fim de maneira ilegal, embarcando deliberadamente em um esquema criminoso de violação de leis de três países diferentes”.

Hermida, o Fleury do Uruguai, e o nosso general Caneppa

Hugo Campos Hermida era uma espécie de Fleury uruguaio. Embora a ditadura naquele país só tenha se instalado em junho de 1973, portanto quando Toscanino já havia sido condenado nos EUA, Hermida era o chefe da chamada Brigada Gamma, um esquadrão da morte uruguaio que matava desde traficantes até tupamaros – os guerrilheiros de esquerda que atuavam antes do golpe final. Hermida também foi treinado nos Estados Unidos – inclusive pela DEA, como mostram outros documentos do projeto PlusD. Oficialmente, era chefe da Brigada de Narcóticos da Dirección Nacional de Información e Inteligencia (DNII), organismo criado em colaboração com os Estados Unidos no Uruguai. O jornal La República, do Uruguai, levantou documentos no Arquivo do Terror, no Paraguai, que comprovaram a participação de Hermida no “ninho da Condor”, a Automotores Orletti, em Buenos Aires, um centro de tortura que tinha como fachada uma oficina mecânica.

Do lado brasileiro, o diretor do Departamento de Polícia Federal – também montada e armada pelos americanos desde os primórdios – era o general Nilo Caneppa Silva, mais conhecido por suas assinaturas na censura de jornais, peças de teatro e filmes – já que essa também era uma atribuição oficial do órgão na ditadura, assim como o combate ao tráfico de drogas nas fronteiras. O general Caneppa foi promovido a coronel assim que a ditadura militar se instalou, e a general-de-brigada em 1971, no governo Médici, mesmo ano em que passou a chefiar o DPF em Brasília.

A operação de sequestro no Uruguai e tortura no Brasil do traficante Toscanino não aparece nos telegramas diplomáticos até maio de 1974, quando o italiano entrou com recurso na corte de apelações americana. A partir daí, há um troca frenética de telegramas entre as embaixadas do Brasil e de Buenos Aires com o Departamento do Estado porque a Justiça americana havia requisitado toda a documentação envolvendo o caso Toscanino em virtude da apelação – embora boa parte dela tenha continuado escondida, como comprovam os telegramas desse período constantes no PlusD. O general Nilo Caneppa, porém, era considerado peça-chave pelos Estados Unidos, como mostra um telegrama de 25 de abril de 1973.

“O tempo do general Caneppa como diretor do Departamento de Polícia Federal encerra-se no meio de maio. Para assegurar a conclusão dos ótimos resultados obtidos pela equipe americana de analistas designados para trabalhar com a polícia federal brasileira no desenho do Centro de Inteligência de Narcóticos, pedimos que essa equipe venha ao Brasil antes de maio”, diz o relato assinado pelo antecessor de Crimmins, William Rountree. O mesmo embaixador já havia demonstrado seu apreço por Caneppa que dele “se aproximou pessoalmente para requisitar material audio-visual em português para os cursos de treinamento permanentes do BNDD (antecessor da DEA) em São Paulo”, segundo outro telegrama do PlusD, esse de 8 de maio de 1973, que recomendou: “Tendo em vista a cooperação do DPF em expulsar traficantes internacionais para os Estados Unidos em casos passados, e o mandato constitucional da DPF para dirigir os esforços para suprimir os traficantes de drogas, e as necessidades de treinamento dos brasileiros, a embaixada recomenda que o BNDD envie os filmes e slides para uso do escritório do BNDD em Brasília, que vai distribuir para as agências brasileiras. Esse gesto, além de ser um investimento útil de dinheiro e material, vai ajudar a estreitar ainda mais os laços entre o DPF e o BNDD”.

Bandeira, um general mais tático

No relatório confidencial sobre a temida visita dos auditores do GAO, porém, enviado pelo embaixador Crimmins ao Departamento de Estado americano em 13 de dezembro de 1973, o entusiasmo dos americanos havia arrefecido com a substituição de Caneppa por um general considerado mais “tático” ( “operations-minded”) – o general Antonio Bandeira, tristemente famoso pelas primeiras operações de repressão na guerrilha do Araguaia tanto pelo lado dos guerrilheiros – que passaram a ser torturados também em Brasília depois que ele assumiu a Polícia Federal – como dos militares, pelo fracasso em vencer os 70 jovens do PC do B nas matas do Pará.

Ainda assim, os americanos ressaltam sua gratidão por operações realizadas pela DPF chefiada por Caneppa nesse mesmo telegrama, que também relembra a temida visita do GAO dois meses antes. Segundo o telegrama, os auditores haviam feito apenas uma “investigação difusa” sobre as atividades da DEA no país: “Embora GAO não tenha problemas com a premissa do programa antidrogas de desenvolver a competência brasileira no combate aos narcóticos, a curto prazo eles estão mais interessados em impedir o fluxo de drogas para os Estados Unidos. O coordenador do programa de narcóticos ressaltou, então, o sucesso da cooperação EUA-Brasil na Operação Springboard [nos portos, em conjunto com a Marinha Americana] e na apreensão no Mormac-Altair”.

Como relatam os jornais da época, o Mormac-Altair era um navio americano onde, em operação conjunta dos americanos e brasileiros, foi capturada uma carga de 60 quilos de heroína em outubro de 1972. Traficantes franceses que moravam no Paraguai e no Brasil foram então extraditados para os Estados Unidos pela Polícia Federal brasileira, sem avisar as autoridades francesas, como aconteceu no caso Toscanino, sempre com o general Caneppa à frente das operações.

Segue o telegrama de Crimmins a Kissinger: “GAO estava interessado na possibilidade do Brasil assumir a liderança entre as nações latino-americanas no hemisfério Sul. O coordenador explicou que o Brasil se esforçava para melhorar a cooperação e a coordenação entre os órgãos policiais em outras nações latino-americanas. No entanto, as diferenças entre os sistemas hispânicos e lusitano, e a intensa rivalidade com a Argentina tornava difícil essa liderança”.

“A GAO também levantou a questão – baseada na investigação dos arquivos sobre as trocas de informação entre as agências de Washington durante a Operação Springboard, quando a embaixada relatava preocupações e queixas sobre o antigo chefe da Polícia Federal, General Caneppa [não se sabe a que se referem essas queixas, que teriam sido feitas por Rountree, uma vez que a atuação da PF sob Caneppa foi elogiada no parágrafo anterior e no telegrama enviado por Rountree transcrito acima, mas os militares brasileiros consideravam Caneppa “mole”, enquanto Bandeira era da “linha dura”]. O coordenador explicou que não há mais problemas similares com o atual chefe, o general Bandeira. Bandeira é mais operations-minded e parece satisfeito com o nível de troca de informações embora, sem dúvida, um aprimoramento possa ser feito nesse campo. A equipe do GAO fez diversas perguntas sobre extradição e expulsão de traficantes e pareceu satisfeita com nossas explicações de que não há problemas do gênero no Brasil. O coordenador teve a impressão de que essa era a mais alta prioridade da equipe do GAO.

“A ideia do Centro de Inteligência de Drogas veio à tona também nessa visita, baseada no material que eles já tinham recebido. O conteúdo politicamente sensível desse assunto foi então explicado à equipe do GAO (…).” Quando o telegrama foi enviado, Juan Perón havia reassumido o poder na Argentina depois de um período de 18 anos de exílio, interrompendo a colaboração entre as polícias do Cone Sul. Os americanos – assim como a ditadura brasileira – nunca confiaram em Perón; depois que ele morreu, em 1974, e foi substituído pela mulher, Isabelita, os militares instituíram a “guerra suja” que matou mais de 30 mil pessoas, incluindo peronistas.

Ao final do telegrama, Crimmins revela que, embora não conste da documentação do NARA, havia recebido – e cumprido – as instruções de Kissinger depois do telegrama enviado na chegada inesperada da missão da GAO: “Nenhuma cópia de outros documentos além dos definidos por Washington foram disponibilizados para a equipe do GAO”.

Os generais coniventes e a operação Condor
Tanto Bandeira como Caneppa aparecem nas listas de torturadores da ditadura, feitas a partir de documentos e denúncias de presos políticos, como “coniventes”, pelo fato de terem comandado operações que resultaram em tortura e desaparecimento de presos sem, no entanto, ter sido flagrados com “a mão na massa”, para usar uma expressão suave.

Suas ligações com as operações do DEA no Cone Sul, como demonstra o telegrama acima, porém, podem implicá-los – e aos Estados Unidos – em crimes internacionais em investigações posteriores, como já aconteceu no caso do general Caneppa, e não apenas nos casos Mormac-Altair e Toscanino.

No final do ano passado, o repórter Wagner William publicou na revista Brasileiros a reportagem“O primeiro vôo do Condor”, relatando aquela que seria a primeira ação da operação clandestina que uniu as ditaduras militares do Cone Sul: o sequestro do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, opositor da ditadura, em Buenos Aires e sua extradição para um centro de torturas no Rio de Janeiro, descrita no Informe 338, de 19 de dezembro de 1970, pelo adido militar na Embaixada do Brasil: o então coronel Nilo Caneppa.

O documento, obtido pelo jornal Página 12, é considerado pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o gaúcho Jair Krischke, um dos maiores investigadores da Operação Condor, como o primeiro documento da articulação clandestina e a prova de que foi o Brasil que liderou ao menos a sua formação. O repórter Wagner William teve acesso aos diários do coronel Jefferson e contou em detalhes como o coronel, seu filho e sobrinho foram interceptados em dezembro de 1970 quando viajavam do Uruguai, onde se exilaram depois do golpe, ao Chile, onde o coronel assumiria o cargo de assessor militar para a Associação Latino-Americana de Livre Comércio a convite do então presidente do Chile, Salvador Allende. Allende se suicidaria depois do golpe liderado pelo general Pinochet e articulado pelos Estados Unidos em 1973.

Para evitar a perseguição policial – os homens de Hermida o seguiam todo o tempo no exílio, como faziam com todos os brasileiros inimigos da ditadura, como relatou em 2003, depois de ser preso no Rio Grande do Sul por assalto a banco e tráfico de armas, o ex-policial Mario Neira Barreto, codinome Tenente Tamuz, que também pertencia à Brigada Gamma –, Jefferson planejara ir de Montevidéu a Colônia do Sacramento de carro, atravessar o rio da Prata pela balsa até Buenos Aires, de onde seguiria para Mendoza e cruzaria os Alpes para o Chile.

Avisado pelos uruguaios, porém, o adido militar brasileiro na Argentina – Caneppa – pediu a cooperação da Direção da Coordenação Federal, o órgão de inteligência da Polícia Federal Argentina, para prender os três brasileiros, descrevendo sua aparência em detalhes. Escondido no porto, Caneppa assistiu quando o carro de Jefferson foi interceptado por dois agentes armados que saltaram de um carro preto com chapa do governo argentino anunciando: “É uma operação de rotina. Houve uma denúncia de transporte de drogas”.

Embora não houvesse nada no carro além de uma arma do coronel Jefferson, que apresentou seus documentos de identificação militar, os três foram levados para a coordenação da Polícia Federal argentina, encapuzados, algemados e presos no porão enquanto o subcomissário anunciava ao adido militar brasileiro o sucesso da operação. Caneppa vai pessoalmente ao prédio, acompanhado de outro militar brasileiro, adido da Aeronáutica na embaixada, onde Jefferson, seu filho e o sobrinho foram interrogados sobre o sequestro do cônsul brasileiro, Aloysio Gomide, pelos tupamaros uruguaios e sobre sua ligação com líderes peronistas argentinos.

Os três foram torturados – o coronel Jefferson com choques elétricos nos pés, nas pernas e nos genitais e cera de vela quente no ânus. Caneppa e o outro militar brasileiro, na sala ao lado, examinavam o material apreendido no carro de Jefferson – livros, cartas e documentos de identidade – quando um tenente-coronel do Exército argentino se apresentou e pediu desculpas pela ausência do coronel Cáceres, diretor da PF argentina, perguntando em seguida o que deveria fazer com os detidos. Caneppa queria que fossem enviados ao Brasil, e em 26 horas o presidente argentino, fantoche dos militares, assinou um decreto de extradição. De lá foram transportados discretamente por uma aeronave militar para o Centro de Informação e Segurança (CISA) no Rio de Janeiro.

O coronel Jefferson foi torturado dias a fio e ficou preso por seis anos. Ao sair da cadeia, em 1977, continuou a ser perseguido até 1979 quando foi beneficiado pela lei da anistia. Os militares, porém, em um ato excepcional, anularam sua anistia e ele teve que partir para o exílio, primeiro na Venezuela, depois na França, de onde só retornou em 1985, com o fim da ditadura militar.

Vítima da primeira ação da famigerada Operação Condor, o coronel Jefferson foi preso sob a acusação de tráfico de drogas pela Polícia Federal argentina sob as ordens do general Caneppa. O mesmo que dirigia a Polícia Federal brasileira quando o traficante Toscanino foi sequestrado por Hermida no Uruguai e entregue para ser torturado em Brasília de onde foi extraditado, em uma operação inteiramente coordenada pela DEA.

O coronel Caneppa foi promovido a general e assumiu a direção da Polícia Federal meses depois. Em 1972, recebeu a Medalha do Pacificador – a maior honraria do Exército, destinada aos “revolucionários” de 1964. O general Bandeira mereceu a mesma honraria. Até hoje a DEA mantém escritórios no Brasil, dentro da embaixada brasileira e dos consulados. Procurada pela Pública para saber sobre suas atividades atuais no país, a DEA encaminhou a reportagem à assessoria de imprensa da embaixada americana, que não respondeu aos pedidos de informação até a publicação dessa reportagem.

Comissão da Verdade de Niterói é sancionada pelo Prefeito


Foto: Marcello Almo
O Projeto de Lei 029/2013, de autoria do vereador Leonardo Giordano (PT) e que institui a Comissão Municipal da Verdade, foi sancionado pelo prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, ontem, em solenidade no Solar do Jambeiro. A Comissão Municipal da Verdade tem por finalidade acompanhar e subsidiar as comissões Nacional e Estadual da Verdade nos exames e esclarecimentos relacionados às violações dos direitos humanos praticados no período da ditadura militar, contribuindo para a efetivação do direito à memória e verdade histórica. 

Além de Leonardo Giordano e do prefeito Rodrigo Neves, participaram da mesa o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira; Rodrigo Mondego, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Estado do Rio; Fernando Dias, representando a OAB de Niterói; Dr. Wadih Damous, presidente da Comissão Estadual da Verdade; Nadyr Borges, membro da Comissão Estadual da Verdade; jornalista Jourdan Amóra, diretor de A TRIBUNA; Maria Célia Vasconcelos, secretária executiva; e Renato Almada, coordenador de Defesa dos Direitos Difusos e Enfrentamento à Intolerância Religiosa (Codir). Também estiveram na solenidade autoridades municipais, parlamentares, ex-presos políticos da época da ditadura militar, entre outros. Houve uma homenagem in memorian ao estudante Fernando Santa Cruz, morto na ditadura, e a ex-presos políticos niteroienses. Também foi aberta uma exposição de fotografias sobre o período, que permanece em cartaz no espaço cultural.

O golpe de primeiro de abril de 1964 calou vozes discordantes, perseguiu ativistas e movimentos sociais, torturou e assassinou cidadãos. O Caio Martins foi o primeiro de muitos estádios utilizados como centro de repressão e tortura pelas ditaduras militares, um verdadeiro depósito de sequestrados políticos, cerca de 1,2 mil pessoas. Foram presos intelectuais, médicos, jornalistas e advogados, entre outros profissionais. Os detidos eram tratados como animais irracionais, dormindo no chão, sem condições mínimas, e sendo torturados, no período de 1964 a 1985.

Segundo o prefeito Rodrigo Neves, é de extrema importância a elucidação dos fatos daquela época. “Estou feliz de estar aqui sancionando a lei aprovada pela Câmara. Niterói é a primeira cidade do Estado que tem a iniciativa de instituir uma comissão para fazer o registro da memória de tantos que lutaram pela democracia. Um prefeito de esquerda, com a trajetória que eu tenho, se eu me furtasse da obrigação de assinar uma lei como esta, eu estaria comprometendo minha história e dos que me trouxeram até aqui. Instituir essa comissão é promover o reencontro com nossa história. Niterói foi a capital do antigo Estado do Rio até 1975 e teve papel muito importante na resistência democrática. Aqui foram criados o MR-8 e o Partido Comunista Brasileiro e tivemos Darcy Ribeiro foi preso na Fortaleza de Santa Cruz. As vezes pensamos que determinadas c
oisas não vão se repetir e vemos um Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados Federais”, citou.

Jourdan Amóra, que viveu na pele as agruras da época, se emocionou durante a execução do Hino Nacional e relembrou momentos difíceis. “Eu me lembrei que servi o Exército Brasileiro com orgulho numa época que tínhamos generais realmente nacionalistas, que defendiam bandeiras como O Petróleo é Nosso. Depois vieram os golpistas, civis que manipulavam os militares mau-caráter que tínhamos nesse país. Me emocionei ao olhar nessa plateia e ver o Manoel Martins ainda tão vivo. O Estado do Rio foi uma grande fonte de reação. Aqueles que estiveram presos no Caio Martins, como Manoel, participaram de uma noite de autógrafos dentro do presídio e a maioria assinou o volume, entre eles pessoas que devem ser orgulho para Niterói. Tenho muita coisa guardada”, concluiu.

CDHMP entrega dossiê à Comissão Nacional da Verdade



O Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu entregou à Comissão Nacional da Verdade documento investigativo que revela detalhes do desaparecimento de seis pessoas no oeste do Paraná, em julho de 1974. O estudo aponta a ligação dos desaparecimentos com os agentes da ditadura militar. O relatório foi entregue por Aluizio Palmar, presidente da entidade, ao membro da comissão nacional, Cláudio Fonteles, em Foz do Iguaçu (PR), dia 10 de abril.

“Este documento elaborado pelo Centro de Direitos Humanos será muito importante para o desfecho de diversas investigações que estamos realizando. Ele poderá trazer novas informações de pessoas que desapareceram e, ainda, ajudar na contextualização de outros casos. As informações e as pistas destes documentos serão vitais para os esclarecimentos e, com certeza, nos auxiliará e muito na construção do relatório final”, revelou Fonteles, membro da comissão nacional.

Desdobramentos - O relatório final da comissão será publicado em maio deste ano com todas as recomendações necessárias. Segundo Fonteles,será um grande parecer nacional com a descrição detalhada e apuração minuciosa de diversos episódios ocorridos no período da ditadura militar. “Queremos levar tudo isto para o Ministério Público e, esperamos que ele, encaminheesta demanda para a Justiça”, comentou.


Para o processo avançar é preciso manter uma rede permanente de solidariedade e mobilização, afirma o militante Aluizio Palmar: “O desafio nosso é envolver os jovens que ouviram falar, leram, mas não viveram o terror da ditadura militar. Precisamos trazer eles para esta luta, que é de todos nós. Precisamos também envolver as pessoas que viveram neste período a ajudarem nas mobilizações, para que fatos como este não ocorram mais”, destacou.

Comissão - É formada por sete membros, são eles: Cláudio Fonteles, Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha. Ela foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. O seu objetivo é apurar as violações aos Direitos Humanos ocorridas de setembro de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Senado Federal instala Subcomissão Permanente da Memória, Verdade e Justiça

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) instalou terça-feira (9) três subcomissões permanentes para ampliar os debates do colegiado: de Defesa da Mulher; da Memória, Verdade e Justiça; e para Enfrentamento do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas e Combate ao Trabalho Escravo. Também foi instalada a Subcomissão de Combate à Pedofilia, Direitos da Criança, Adolescente, Juventude e Idoso, de caráter temporário.

Antes da instalação das subcomissões foram eleitos por aclamação os presidentes e vice-presidentes para o biênio 2013-2014.

Na abertura dos trabalhos, feita pelo senador Sérgio Petecão (PSD-AC), a senadora Ana Rita (PT-ES), presidente da CDH, sublinhou a importância da criação das subcomissões. Ela observou que a CDH tem uma grande tarefa pela frente, para corresponder às expectativas da sociedade, respaldada e fortalecida pelas subcomissões. A senadora ainda parabenizou os senadores João Capiberibe (PSB-AP) e Paulo Davim (PV-RN) por terem proposto a criação das subcomissões da Memória, Verdade e Justiça e para o Enfrentamento do Tráfico de Pessoas e Combate ao Trabalho Escravo.

Memória

Entre os principais temas a serem debatidos pelas subcomissões da CDH nos próximos meses está o resgate da memória dos fatos ocorridos durante o regime militar (1964-1985). De acordo com Ana Rita, a Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça, presidida pelo senador João Capiberibe (PSB-SE), terá uma importante contribuição a dar à Comissão Nacional da Verdade, que funciona no âmbito do Poder Executivo.

Durante a instalação, Capiberibe lembrou que os brasileiros que nasceram depois de 1964 desconhecem o que aconteceu naquele período. Ele afirmou que "ainda hoje muitas portas estão fechadas e informações importantes continuam sendo negadas à Comissão Nacional da Verdade".

– A gente precisa dar um suporte e a ideia dessa subcomissão é que a gente possa envolver o conjunto da CDH para apoiar a ação da Comissão Nacional da Verdade Memória e Justiça. Acho que podemos dar uma grande contribuição, podemos também ouvir alguns segmentos, como os militares, para que a gente possa saber o que aconteceu. Houve um expurgo nas Forças Armadas em 1964. Inúmeros oficiais e soldados foram expulsos e a sociedade não sabe – disse.

Ana Rita salientou a dificuldade para tratar do tema, lembrando que uma proposta da alteração do nome da Ala Senador Felinto Muller, no Senado, apresentada por ela, ainda não foi aprovada.

– Dentro da nossa própria Casa nós encontramos resistência. Então, nós sabemos o quanto isso é difícil para quem passou por aqueles momento – declarou.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), escolhido vice-presidente da subcomissão, concordou com a observação de Ana Rita. Ele disse considerar "antagônico e inadequado" ter no mesmo prédio homenagens a Teotônio Vilela, por um lado, e Felinto Muller, por outro, referindo-se a dois dos senadores que dão nome a alas do Senado. Teotônio Vilela (1917-1983), conhecido como o Menestrel das Alagoas, defendeu a anistia de presos políticos. Já Felinto Müller (1900-1973) foi o temido chefe de Polícia do Distrito Federal durante a ditadura de Getúlio Vargas e também apoiou o regime militar.

Indígenas da Amazônia sob a ameaça do genocídio

Foto: Amadeu Guedes
Militarização da questão indígena e possível liberação das terras indígenas à exploração mineral são debatidas na Ufam.

Foto: Euzivaldo Queiroz
O projeto de lei federal nº1610/96, batizado de “PL da Mineração”, foi classificado, quarta-feira (10), como ameaça real aos povos indígenas da Amazônia e “a mais nova versão do genocídio indígena” caso seja aprovado pelo Congresso Nacional. A advertência é de um grupo que reúne indigenistas, cientistas sociais e jornalistas participantes da mesa redonda “O golpe de 65 e as ações dos militares na Amazônia”, realizado no auditório rio Solimões, do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL),da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), como atividade do Comitê do Direito à Verdade e à Memória no Amazonas, em parceria com o Departamento de História da Ufam.

Foto: Amadeu Guedes
O “PL da Mineração” tramita em Brasília desde 1996. Atualmente, aguarda parecer da comissão especial da Câmara dos Deputados. Se for aprovado, vai permitir que empresas explorem recursos minerais em terras indígenas hoje protegidas. Mapeamentos nessas áreas realizados desde os anos de 1970 revelam que nela estão concentradas as maiores reservas de minérios.

Foto: Amadeu Guedes
Segundo a jornalista Elaíze Farias, apenas nas terras dos ianomâmis, existem aproximadamente 650 pedidos para estudos minerários feitos por empresas do setor. “Eu fiz um levantamento para uma reportagem, o qual indica que aproximadamente 80% das terras ianomâmi são foco de pesquisas para exploração de minérios. Parece até que isso tudo é um exagero, mas não é. Essa é uma situação crítica que os povos indígenas estão passando. (...). Essas pesquisas fazem parte de um novo projeto desenvolvimentista da região na América Latina”, disse Farias.

Foto: Amadeu Guedes
O coordenador do Comitê estadual do Direito à Verdade e à Memória, o indigenista Egydio Schwade, o assessor da Comissão Nacional da Verdade e consultor da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Egon Heck, o professor de História da Ufam, ex-vereador Aloysio Nogueira e o diretor do ICHL, o professor de Filosofia Nelson Noronha, representando a reitoria da universidade, também participaram das exposições.

Foto: Amadeu Guedes
O professor de História, Aloysio Nogueira, disse que alguns dos sobreviventes de 1964 no Amazonas convivem com o medo de falar e que o desafio é convencê-los a falar porque os registros desse período são os da oralidade.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Delfim Netto é convidado a depor na Comissão da Verdade paulistana

Delfim Netto é convidado a depor na Comissão da Verdade paulistana


A Comissão Municipal da Verdade de São Paulo aprovou hoje (9) requerimentos para convocar o ex-ministro Delfim Netto, que ocupou as pastas de Fazenda (1967-1974), Agricultura (1979) e Planejamento (1979-1985) durante a ditadura (1964-1985). Delfim foi um dos signatários, em 1968, do Ato Institucional número 5, o AI-5, que levou ao fechamento do Congresso, à cassação de liberdades políticas e ao período mais agudo da repressão do regime.

O requerimento foi apresentado pelo presidente do colegiado, Gilberto Natalini (PV), mas não tem força de convocação. A única comissão do gênero autorizada a convocar pessoas a depor é a nacional, criada por projeto de lei aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidenta Dilma Rousseff. O pedido não esclarece o motivo pelo qual Delfim foi chamado.

Natalini pediu ao representante da Comissão Nacional da Verdade, Anivaldo Padilha, que a CNV use o direito de convocação, mas um ato concreto em relação a Delfim dependerá de acordo. Padilha respondeu que o colegiado está disposto a ajudar a “desvendar os tentáculos da ditadura e como diversas instituições colaboraram com o regime”, o que passa pela convocação de figuras ligadas à repressão para que prestem depoimento na sede do Legislativo paulistano.

A reunião marcou a retomada dos trabalhos da comissão municipal, que no ano passado não avançou nos trabalhos e foi reaberta na nova legislatura. Além de Delfim, foram convidados a depor o jornalista Cláudio Guerra, autor do livroMemórias de uma Guerra Suja, e Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi de São Paulo, um dos principais aparelhos usados pela repressão.

Além disso, os parlamentares aprovaram a realização de uma visita técnica às instalações do antigo DOI-Codi, hoje o 36º Distrito Policial, na rua Tutoia, no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo. Ustra ainda não prestou depoimento à CNV, embora outros integrantes do destacamento comandado por ele já tenham prestado informações.

Por sugestão do presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, deputado Adriano Diogo (PT), o colegiado municipal procederá a um levantamento que consta das promessas de campanha do prefeito Fernando Haddad. 

“A Comissão Municipal poderia fazer um levantamento dos logradouros públicos que tenham nome de pessoas ligadas à repressão, além de escolas municipais e praças. Seria significativo mudar os nomes, como Elevado Costa e Silva, mas isso é difícil, então sugiro pelo menos o levantamento”, disse. 

A respeito do elevado que dá nome ao presidente entre 1967 e 1969, o vereador Nabil Bonduki (PT) apresentou este ano projeto de lei para que a alusão seja banida, deixando-se apenas o nome pelo qual a via é conhecida: Minhocão.

Comitê da Verdade do Amazonas debate o Golpe Militar de 64 e a Amazônia no ICHL


O Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas (CVAM), entidade vinculada à Comissão Nacional da Verdade (CNV) em parceria com o Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) realiza nesta quarta-feira, 10, debate com a comunidade acadêmica sobre o Golpe de 64 e as ações dos militares na Amazônia. O evento está marcado para ter início às 9h, no auditório Rio Solimões, do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL). 

Com a entrega do 1º Relatório sobre o massacre dos índios Wamiri-Atroari, realizado no ano passado, à representação da Comissão Nacional da Verdade, bem como às entidades e órgãos institucionais, o CVAM pretende dar continuidade às ações planejadas, por meio de palestras e debates. “A Amazônia continua sendo subjugada por interesses que não respeitam o direito à terra e à vida dos povos que nela vivem”, completou o indigenista, Egydio Schwade, da coordenação do Comitê. 

De acordo com a Coordenação do Comitê, o debate apresentará temas e assuntos de relevância, vinculados ao período do regime militar no Brasil. O Golpe Militar, que cassou mandatos parlamentares, o crime de tortura e o desaparecimento de lideranças no campo e na cidade; a luta de resistência da nação brasileira; a política indigenista dos governos da época; e a ação do capital e das mineradoras na Amazônia, estão entre os enfoques a serem discutidos com os estudantes e professores da UFAM. 

Na composição da mesa de abertura do evento estão confirmadas as participações do assessor da Comissão Nacional da Verdade e consultor da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Egon Heck; do professor de História, Aloysio Nogueira; do representante, Délio Alves, das Coordenações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), e da jornalista profissional, Elaíze Farias, colaboradora do movimento indígena. 

Outras informações:
Egydio Schwade/celular: (92) 8130-5080 (egydio.schwade@gmail.com); 
Hideraldo Costa/celular: (92) 9136-3270 (hideraldocosta@uol.com.br)
José Amadeu Guedes/celular: (92) 9618-1362 (amadeu.guedes@bol.com.br).

segunda-feira, 8 de abril de 2013

REUNIÃO DO COMITÊ DA VERDADE DO AMAZONAS HOJE (8)

CONVITE

Por meio do presente, convidamos Vossa Senhoria a participar da reunião do COMITÊ ESTADUAL DE DIREITO À VERDADE, À MEMÓRIA E À JUSTIÇA DO AMAZONAS a realizar-se hoje, segunda-feira (8), às 18 h, no auditório do Sindicato dos Jornalistas (Praça Santos Dumont, 15 - Centro).

Na oportunidade, informamos que a proposta de pauta é a seguinte:
1- Informes;
2- Mesa Redonda na UFAM;
3- Visita ao MPF;
4- Apresentação do Egon Heck; e
5- Encaminhamentos.

À Coordenação.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Maria Rita Kehl: O Golpe de 1964, o PNDH-3 e a Comissão Nacional da Verdade


Na manhã do dia 1º de abril de 1964, há quase cinquenta anos, começava no Brasil um dos períodos mais tenebrosos de sua história, que foi marcado por graves violações de direitos humanos. O golpe imposto pelos militares resultou na morte e no desaparecimento de centenas de militantes políticos, além de profundas marcas físicas e psicológicas nas pessoas que foram torturadas e sobreviveram ao regime.

No livro "O Golpe de 64 e a ditadura militar", Julio Chiavenato aponta que um balanço precário registra a prisão de 50 mil pessoas, pelo menos 20 mil torturadas, além de milhares de militantes caçados e exilados.

A Comissão de Mortos e Desaparecidos e a Comissão de Anistia identificaram mais de quatrocentas pessoas assassinadas ou desaparecidas pela repressão política governamental. O livro "Retrato da repressão política no campo" traz o número de 858 camponeses torturados, mortos e desaparecidos entre 1962 e 1985. No ano passado, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) divulgou um relatório no qual identifica quase 1,2 mil camponeses mortos e desaparecidos entre 1961 e 1988.

Em 2009, graças à grande mobilização da sociedade civil, foi lançada a 3ª edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) que contempla, dentre outros pontos considerados polêmicos – como a descriminalização do aborto, a união homoafetiva e a regulação dos meios de comunicação –, o eixo que trata do Direito à Memória e à Verdade, o único que efetivamente teve algum avanço.

O PNDH-3 deu um importante passo no sentido de criar uma Comissão Nacional da Verdade, com a tarefa de promover esclarecimento público das violações de Direitos Humanos por agentes do Estado na repressão aos opositores. A Comissão foi instituída por Lei em novembro de 2011, com a finalidade de “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos” praticadas no período de 1946 a 1988.

No entanto, a Comissão não pode processar e punir os responsáveis por crimes cometidos durante o regime militar, o que limita sua atuação e impede que a justiça seja efetivada. Assim, corre-se o risco de o trabalho de dois anos ficar restrito à publicação do relatório, caso o Governo Federal e o sistema de justiça não atendam ao pleito da sociedade civil de fazer com que os responsáveis pelos crimes sejam julgados e condenados.

Neste domingo (31/03) o jornal “O Globo” publicou uma entrevista com a psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da Comissão da Verdade, que fala sobre o primeiro ano de trabalho do grupo, em especial no levantamento de informações sobre crimes cometidos contra camponeses e indígenas. Confira a entrevista:

Neste primeiro ano, a Comissão ouviu mais de 40 pessoas. Como única psicanalista do grupo, a senhora poderia falar um pouco do sentimento delas?

Cada um cuida de uma área, a minha é de camponeses e índios, e ouvi bastante gente que foi torturada. Dos criminosos ouvi menos. Por enquanto ouvimos só quem se ofereceu para falar. É diferente dos torturadores, que a gente convoca e tem poder de lei para convocar. Não podemos impedir torturadores de mentir, eles mentem mesmo. Mas são obrigados a vir, senão é crime de desobediência. Os torturados são o contrário, querem vir.

Mas e o sentimento deles?

As pessoas que nos procuraram me impressionaram sob muitos aspectos. O primeiro é o lado do sofrimento mesmo, da dor, de como falar sobre o que sofreram dói. A riqueza de detalhes impressiona. Muitas têm as mãos trêmulas, precisam parar de falar, têm vontade de chorar. É um ato de coragem. Mas ninguém teve uma síncope porque trata-se de pessoas fortes, que aguentaram a tortura. Por outro lado, o trauma é revivido, faz o passado voltar para o presente. Algumas nunca falaram com tantos detalhes sobre o que viveram como agora.

Percebemos que fica mais fácil de lidar, ao retirarem esta pedra que estava em cima de seu passado há mais de 40 anos, do que reprimindo-a. Não se pode esconder a verdade porque ela começa a mofar e a gerar monstrinhos. Mesmo que isso não possa servir como documento objetivo para acusar alguém, porque as pessoas podem estar confusas e não reconhecerem direito quem é o torturador, pode criar pistas muito consolidadas.

A gente tem vários torturados que viram, na cadeia, um companheiro depois dado como morto por ter resistido à prisão. Ou várias pessoas viram outra machucada, passando mal. Então a gente conclui que esta pessoa não morreu fugindo da polícia ou enfrentando a polícia, como disseram, e sim que já estava sem condições de ficar de pé. Ela não pode ter morrido trocando tiros. Isso já é válido.

O coronel Sebastião Curió vai ser ouvido quando?

O Curió é incumbência minha e do Cláudio Fonteles (ex-procurador geral e membro da Comissão). Os camponeses do Araguaia (onde Curió combateu a guerrilha) eu ouvi bastante. Além da dor física, há a humilhação que sofreram. E contam o que foram obrigados a fazer, coisas que nem vou dizer aqui, coisas aviltantes. Sofrem tudo de novo. O pior foi falar da humilhação. Os índios foram maltratados para tentar rastrear guerrilheiros, perderam terras, foram obrigados a carregar corpos, decepar cabeças. Curió será intimado. E em breve.


Índios foram torturados?

Teve pouca tortura com índio, pelo que eu saiba até hoje. Há fotos horríveis de índio pendurado em pau de arara, de uma índia cortada ao meio. Mas são poucos casos. Estou começando a olhar a parte indígena agora, em colaboração com o Instituto Sócio Ambiental, que está há quarenta anos pesquisando indígena, então seria antecipar algo que ainda não sabemos. A violação contra os indígenas foi o modo como a terra deles foi ocupada. À força, às vezes à bala, queimando tudo. Expulsando e aí, sim, torturando os casos de resistência.

Tem dois tipos de violação. O primeiro é a disputa por terra, o fazendeiro vai, expulsa à bala. E o outro, importantíssimo, principalmente a partir dos anos 70, foram as políticas de ocupação da Amazônia pelos governos Médici e Geisel, o "integrar para não entregar". Foi aí que se entregou para grandes empresas e fazendeiros, para fazer hidrelétricas, estradas. Os índios foram tratados não como brasileiros que tinham que ser eventualmente remanejados, mas como lixo na beira do caminho: tira eles dali.