segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Reunião do Comitê da Verdade do Amazonas



 
Convite 

Por meio do presente, convidamos Vossa Senhoria a participar da reunião do COMITÊ ESTADUAL DE DIREITO À VERDADE, À MEMÓRIA E À JUSTIÇA DO AMAZONAS, a realizar-se hoje, dia 24 de setembro de 2012 (segunda-feira), a partir da 18h, no auditório do Sindicato dos Jornalistas (Praça Santos Dumont, 15 - Centro).

Na oportunidade, informamos a Vossa Senhoria que será apresentado um documento sobre o massacre dos índios WAIMIRI-ATROARI pelo indigenista Egydio Schwade.

Atenciosamente,

A Coordenação

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Comissão da Verdade tem razão ao investigar mortes de JK e Jango


Todo apoio e disposição de ajuda no que for necessário, da parte de todos nós, para que a Comissão Nacional da Verdade cumpra e chegue a bom termo em sua decisão, tomada esta semana, de investigar as atividades da Operação Condor, aquela aliança espúria estabelecida, em 1975, entre as ditaduras militares do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Bolívia para vigiar e assassinar os opositores que resistiam e combatiam aqueles regimes.

Vamos ajudar a Comissão no que for possível a cada um de nós e podemos começar já pelo apoio ao grupo de trabalho (GT) específico constituído por ela na 2ª feira, para tratar da questão. O objetivo inicial, admite a Comissão, é apurar os fatos mais controversos de que a Condor é suspeita. Tais como suas relações com a morte dos ex-presidentes brasileiros João Goulart, o Jango, e Juscelino Kubitschek, o JK.

As mortes de JK e Jango aconteceram em um intervalo de cinco meses. JK morreu em 22 de agosto de 1976 e Goulart em 6 de dezembro do mesmo ano. Jango governou o Brasil de setembro de 1961 até ser deposto pelo golpe militar de março de 1964 e morreu em dezembro de 1976, na Argentina, oficialmente de ataque cardíaco. A versão é contestada por parentes que acreditam em envenenamento por agentes da Operação Condor. Jango foi o único ex-presidente do Brasil a morrer no exílio.

Na morte de JK, um projétil exclusivo das Forças Armadas

JK, que governou o Brasil no quinquênio 1956-1960, morreu dia 22 de agosto de 1976, há 36 anos, também em circunstâncias envoltas em suspeita e mistério. Ele seguida de São Paulo para o Rio de Janeiro, numa viagem que até seus familiares desconheciam. A versão oficial é de que seu carro, um Opala, fechado por um ônibus da Viação Cometa, perdeu a direção e se chocou com uma carreta no km 165 da Rodovia Presidente Dutra.

Mas, no caso do ex-presidente JK, a Comissão Nacional da Verdade recebeu na 2ª feira desta semana do presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, William Santos, um relatório contestando a versão de que a morte teria sido um acidente. “Eles (OAB-MG) pediram que a gente reabrisse o caso. Agora vamos analisar toda a documentação e investigar o que foi relatado”, declarou Cláudio Fonteles, integrante da Comissão e responsável pela análise da documentação entregue pela OAB-MG.

A documentação sustenta que a causa do acidente foi um tiro na cabeça do motorista de JK, Geraldo Ribeiro. Em 1996, 20 anos após o acidente, o secretário particular de JK, Serafim Jardim, conseguiu reabrir o caso. O corpo do motorista foi exumado pelo IML de Belo Horizonte, que encontrou um objeto metálico no crânio de Geraldo Ribeiro.

Para a OAB-MG, o motorista foi atingido na cabeça por um projétil denominado “batente”, de fabricação e uso exclusivo das Forças Armadas. O inquérito aberto após a morte do ex-presidente ouviu nove dos 33 passageiros que estavam no ônibus da Viação Cometa. E as fotos dos corpos do presidente e do motorista também desapareceram da documentação.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Policiais foram responsáveis por massacre no Paraguai


Acaba de vir à tona mais uma informação importante e reveladora sobre a trama encenada pela direita paraguaia e que resultou na deposição, em processo relâmpago, de Fernando Lugo, presidente legitimamente eleito pelo povo paraguaio, em 22 de junho último. 

Uma Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos divulgou na semana passada um relatório preliminar em que se conclui que foram os policiais e não os camponeses os responsáveis pelo massacre de Curuguaty, no nordeste do país, ocorrido em 15 de junho, uma semana antes do impeachment relâmpago do presidente Fernando Lugo.

A partir de entrevistas com testemunhas, familiares e vítimas, o grupo formado por organizações de camponeses e entidades de direitos humanos de vários países concluiu que os trabalhadores sem-terra foram cercados pela polícia em duas frentes e que muitos foram executados. 

Cerca de 18 pessoas foram mortas - 11 sem terras e 7 policiais – durante a tentativa da polícia de desalojar os camponeses de uma propriedade de 2 mil hectares, apropriada irregularmente por Blas Riquelme, empresário e político da ditadura. 

Considerada a mais grave tragédia desde o fim da ditadura no país, o massacre de Curuguaty foi utilizado a torto e a direito pela oposição e, sobretudo, pelo Partido Colorado, para culpabilizar Lugo. Foi o principal pretexto para a abertura do processo contra o presidente no Congresso.

Tragédia (ou armação?), como desculpa para o golpe

À época, as autoridades paraguaias atribuíram a responsabilidade das mortes aos camponeses e, por consequência, ao presidente Lugo. Agora, o relatório contesta a conclusão das autoridades governamentais e culpa os policiais. 

Na versão oficial, os camponeses teriam organizado uma emboscada aos policiais e iniciado os disparos contra eles. Mas, o relatório da Missão Internacional indica “que 54 pessoas foram acusadas arbitrariamente por sete delitos penais (homicídio doloso, tentativa de homicídio, grave lesão, associação criminal, coação grave, coação e invasão) já que se carece de indícios minimamente suficientes”.

A Justiça paraguaia, informa o documento, chegou ao ponto de prender lideranças que nem estavam presentes no dia do massacre (15 de junho). Além disso, “numerosos depoimentos coincidem que houve execuções, perseguições, ameaças de morte, torturas físicas e psicológicas e desatenção médica aos camponeses atingidos, imediatamente depois e nos dias seguintes do 15 de junho”, aponta o documento.

Argentina condena à prisão perpétua mais 14 militares da ditadura


Parabéns ao Tribunal Federal da cidade de Bahia Blanca, no Sul da Argentina, que fez justiça esta semana e condenou 14 militares da reserva e ex-policiais à prisão perpétua por crimes contra a humanidade cometidos contra 90 pessoas durante a última ditadura militar (1976-1983) no país.

Todos os condenados integravam o Exército ou às forças de segurança da Argentina durante o nefasto regime militar e cumprirão a pena em regime comum no Serviço Penitenciário Federal. Os réus foram condenados pelos crimes de privação ilegal de liberdade, tortura e homicídio cometidos no campo de detenção clandestino instalado em Bahia Blanca.

Os 14 condenados foram acusados e responderam a processo por envolvimento com 90 vítima levadas, torturadas, assassinadas ou que passaram por este campo chamado La Escuelita (A Escolinha).

Casos emblemáticos, como emblemático é o avanço na Argentina

Dali, dentre tantos que entraram para a história, dois casos são emblemáticos das ditaduras que sufocaram o continente dos anos 60 aos anos 80: o desaparecimentos de duas mulheres, grávidas, sequestradas e levadas até o campo clandestino. A estimativa é que cerca de 30 mil pessoas desapareceram ou foram assassinadas por motivos políticos durante a ditadura na Argentina.

Diante da sentença do Tribunal de Bahia Blanca esta semana, o mínimo que se pode dizer é que trouxe paz e conforto aos familiares e a tantos cidadãos de todo o mundo que acompanharam essas tragédias no continente. Ainda bem que muitos países já revogaram leis conciliatórias que beneficiavam com anistia os integrantes daqueles regimes.

Muitos países estão na frente, avançados já, em seus processos de revisão da história, julgando e condenando os assassinos que diziam agir em nome do Estado naquele período. Muitos destes países julgaram e condenaram à prisão perpétua até generais ex-presidentes.

A Argentina é um destes casos. Exemplar na medida em que fez justiça, processou, julgou e condenou sem quaisquer atenuantes os criminosos daquele período chegando até a ex-presidentes generais, almirantes e brigadeiros.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Documentário mostra importância de investigar violação dos direitos humanos dos indígenas

 Por Marcelo Zelic*

O documentário AmazôniaAdentro, produzido pela TV Brasil, ilustra a importância da decisão da 6ª Câmara do Ministério Público Federal de apurar as violações dos direitos humanos dos indígenas no Brasil durante a ditadura militar. A 6ª Câmara tomou uma decisão importante para o país, que trará luz sobre um assunto tabú e que gerou muito sofrimento à população atingida.

O primeiro episódio de AmazôniAdentro Waimiri-Atroari mostra uma panorâmica sobre a Amazônia, com escalada de alguns episódios – a destruição da floresta, o avanço da pecuária, o ciclo da borracha, Chico Mendes, o projeto Jari, e a presença nazista, nos idos dos anos 30, no vale do rio Jari.

O documentário AmazôniAdentro capítulo 1 produzido pela TV Brasil, ilustra a importância da decisão da 6ª Câmara do Ministério Público Federal de apurar as violações dos direitos humanos dos indígenas no Brasil durante a ditadura militar. A 6ª Câmara tomou uma decisão importante para o país, que trará luz sobre um assunto tabú e que gerou muito sofrimento à população atingida. O caso Waimiri-Atroari, a construção da BR-174 e outras obras na região que os atingiram, precisa ser esclarecido. Tal decisão vai ao encontro à tomada pelos membros da Comissão Nacional da Verdade que já incorporaram a seu trabalho um eixo que tratará da questão indígena.

Fatos graves como o bombardeamento de aldeias, precisam ser apurados. É marcante o depoimento de Mario Parwé Atroari, diz ele, “foi assim tipo bomba, lá na aldeia. O índio que estava na aldeia não escapou ninguém. Ele veio no avião e de repente esquentou tudinho. Ali morreu muita gente Waimiri-Atroari”.

Para Viana Wamé Atroari “foi muita maldade na construção BR 174”. Ele conta no documentário dirigido por Edilson Martins: “Aí veio muita gente, pessoal armado, assim no caso do exército, esse aí eu vi, eu sei, que me lembro bem, tinha um avião assim … … tipo … folha … descendo de folha, … … assim vermelho por baixo, só isso. Passo isso aí, morria rapidinho as pessoas.” Em sua fala não fica claro o tipo de arma utilizada, mas que morriam depois que o avião passava e não era bomba está colocado.

Imagens das atrocidades ficaram registradas em fotos e é preciso que os cidadãos brasileiros vejam estas imagens. É preciso sabermos a verdade dos fatos e apurá-los. O Brasil terá sua democracia fortalecida e quiça passemos enquanto nação a respeitar os direitos e a existência dos índios brasileiros, mudando condutas no presente, para que possamos reparar essas “maldades” de nosso desenvolvimento. Nos tratados internacionais essas “maldades” são chamadas de genocídio. No final da construção da estrada sobraram menos de 300 pessoas somadas todas as aldeias.

A presença do exército na região de forma armada para o combate é inegável, no filme há o relato de emprego de navio com canhão de proa atirando em aldeia. Para aqueles que ainda alimentam dúvidas, é preciso observar que os mesmos sacos plasticos listrados usados acima para translado de pessoas mortas, aparecem em outra área conflagrada na mesma época onde a atuação das forças armadas foi objeto de condenação de nosso país na Corte Interamericana de Direitos Humanos por pratica de terrorismo de estado. Sentença essa, diga-se de público, que o estado brasileiro ainda não cumpriu. Sua utilização na área dos Waimiri-Atroari sinaliza a presença das forças armadas atuando no conflito. Os sacos listrados aparecem também nas imagens do translado para realizar o desaparecimento de guerrilheiros do Araguaia.

Essas imagens fazem parte da história da sociedade brasileira, pertencem ao passado, mas os crimes que registram não prescrevem por serem de lesa-humanidade. Faz-se urgente quebrarmos os tabús sobre essas violações de direitos humanos e enfrentarmos estas verdades e reparmos com justiça estas populações atingidas, buscando com isso uma reflexão fundamental sobre o que precisamos mudar em nosso conceito de desenvolvimento em relação ao trato com as nações indígenas brasileiras, para removermos condutas que infelizmente perduram até hoje e criarmos mecanismos de não-repetição para que as feridas abertas possam um dia cicatrizar.

* Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do Projeto Armazém Memória.

MPF vai investigar crimes contra indígenas cometidos pela ditadura

Foto:  http://urubui.blogspot.com.br
Por decisão unânime, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) vai investigar os crimes cometidos contra os povos indígenas pela ditadura militar. Estão na mira do órgão violações impostos aos suruís, obrigados a ajudar os militares a combater os guerrilheiros do Araguaia, e aos waimiri-atroari, dizimados para a construção das grandes obras que sustentavam o projeto desenvolvimentista do regime.

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) vai investigar as denúncias de crimes cometidos contra os povos indígenas pela ditadura militar (1964-1986). A decisão unânime foi tomada em reunião do órgão colegiado realizada em 7/8, e publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 5/9. A base foi a entrevista “Houve extermínio sistemático de aldeias indígenas na ditadura”, concedida à Carta Maior pelo índio José Humberto Costa do Nascimento, o Tiuré Potiguara, em 2/8. 

Tiuré Potiguara ingressou nos quadros funcionais da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1970, com o sonho de se tornar um indigenista capaz de influir positivamente na melhoria das condições de vida dos índios brasileiros. Entretanto, ao tomar conhecimento da política de extermínio praticada pela ditadura, abandonou o órgão e passou a atuar na resistência indígena ao regime, em curso na região do Araguaia, palco de diversos conflitos.

Testemunha das mais diversas atrocidades cometidas contra os índios, Tiuré se tornou um dos muitos brasileiros perseguidos pela ditadura, conforme registrado nos arquivos do antigo Serviço Nacional de Inteligência (SNI), hoje aberto à consulta pública no Arquivo Nacional. Acabou conseguindo fugir para o Canadá, onde, após um longo processo investigatório, foi reconhecido como refugiado político. 

Após 25 anos de exílio, voltou ao Brasil, em 2011, para lutar pelo seu reconhecimento como anistiado político e pelo reconhecimento de milhares de índios como vítimas da ditadura. Em especial o dos suruís, obrigados pelos militares a atuar no extermínio dos guerrilheiros do Araguaia. 

Waimiri-atroari

O ex-missionário e indigenista Egydio Schwade calcula que as investidas da ditadura contra o território waimiri-atroari, cobiçado para sediar grandes obras como hidrelétricas e estradas, tenham custado pelo menos duas mil vidas.

“A decisão do MPF é importantíssima porque se soma aos esforços que várias entidades vem fazendo para apurar esses crimes, até hoje desconhecidos da maioria dos brasileiros“, afirma Marcelo Zelic, coordenador da pesquisa “Povos indígenas e ditadura militar – subsídios para a CNV (1946-1988)”, que vem sendo feita em parceria pelo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Juízes pela Democracia e Arquidiocese de São Paulo para embasar a Comissão Nacional da Verdade.

Segundo ele, a pesquisa, ainda em faze inicial, aponta para indícios da prática de crimes graves, como o extermínio de aldeias via fuzilamento, inoculação de doenças por roupa ou comida contaminada com doenças e lançamento de bananas de dinamite por aviões. Há também denúncias sobre existências de campos de concentração, centros de tortura e prisões ilegais.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

OS MUSEUS DA RESISTÊNCIA - José Ribamar Bessa Freire*

Ramires Maranhão do Valle (1950-1973)
Combatia a ditadura militar. Quando foi preso e torturado, em 1973, tinha 22 anos, o porte franzino e uma cara de menino. Seu paradeiro foi criminosamente ocultado pelas autoridades. Foi ai que o nome de Ramires Maranhão do Valle passou a figurar na lista dos "desaparecidos políticos". Mas na última segunda feira, ele apareceu, redivivo, numa defesa de mestrado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e nos observou, com seu olhar tímido, cheio de candura, a partir de uma foto sua que permaneceu projetada num telão durante todo o evento. Juro que sua voz emergia do texto impresso e ouvimos até o palpitar do seu coração. 



Quem insistiu para que ele estivesse lá, conosco, foi seu sobrinho, Carlos Beltrão do Valle, autor da dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS). Afinal, ninguém com mais legitimidade do que Ramires para avaliar o trabalho que discute a proposta de transformar os locais de tortura em museus, com o objetivo de ativar memórias reprimidas e silenciadas, seguindo a lição de Mário Chagas: "o museu, como instituição, pode servir tanto para tiranizar como para libertar".



O foco escolhido foi o prédio do DEOPS de São Paulo, onde funciona o Memorial da Resistência, inaugurado em 2009. Esse é o primeiro centro de tortura do Brasil que foi musealizado. Por suas celas passaram o escritor Monteiro Lobato, a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o ex-governador de São Paulo José Serra. Recentemente outro memorial foi erguido no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, no Rio, onde Ramires foi sepultado, clandestinamente, numa cova rasa, com outros militantes. 



Carlos Beltrão não era nem nascido quando o tio foi assassinado. Aprendeu a amá-lo através das narrativas familiares contadas pelo avô Francisco, o pai Romildo e a mãe Sônia - todos eles militantes. Dedicou a ele sua pesquisa de mestrado, para a qual entrevistou ex-presos do Rio, de São Paulo e de Recife, consultou jornais e documentos em arquivos, leu depoimentos em livros autobiográficos cujos autores relatam experiências na prisão, analisou peças de teatro e filmes sobre o tema e acompanhou visitas ao Memorial da Resistência para avaliar a reação do público.



Lugares de Memória



A dissertação compara a musealização dos centros de tortura no Brasil com a experiência de sítios de consciência e de memória em outros países como Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, destacando o Museu do Apartheid na África do Sul e o Museu da Resistência em Amsterdã. A análise de todo esse material foi feita com ajuda dos teóricos que refletiram sobre a memória e o patrimônio.



Foram muitos os centros de tortura que funcionaram no Brasil entre 1964 e 1985. Recente pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mapeou 82 deles, dos quais 13 se localizavam no Rio. Mas a dissertação registra 212 listados por Rubim Aquino, muitos até então desconhecidos, outros destruídos na intenção de apagar a memória do local. O próprio prédio do DEOPS de São Paulo apagou marcas e registros relevantes, entre as quais as inscrições feitas pelos presos nas paredes das celas, que tiveram de ser reconstituídas.

Registro feito em meados da década de 1990 mostra que as paredes das celas do DEOPS já haviam sido raspadas antes da reforma. Fotos: Fernando Braga. Acervo: APESP.



Essa política deliberada de organização do esquecimento é analisada na dissertação, cujo fio condutor usa a noção de "esquecimento ativo" de Nietzsche, para quem é importante esquecer, mas para isso é necessário saber. "A gente só pode esquecer aquilo que a gente sabe". O caso do DEOPS ilustra muito bem a luta em busca da memória perdida. Depois da reforma que destruiu algumas celas, os organizadores do Memorial decidiram mostrar a estrutura original daquele centro de tortura, confeccionando uma maquete. Para isso, porém, tiveram de se apoiar no relato oral de ex-presos políticos, porque não encontraram sequer uma planta do prédio.



Os documentos são escondidos ou destruídos, como ocorreu mais recentemente no governo Sarney, quando os militares reprimiram a greve de 1988, invadindo a sede da Companhia Siderúrgica Nacional. O saldo foram três metalúrgicos mortos e dezenas de feridos. Na semana passada, a Folha de São Paulo tentou consultar a documentação e invocou a Lei de Acesso à Informação, mas o Exército respondeu que ela havia sido eliminada.



Os documentos ou foram destruídos, ou permanecem inacessíveis ou ainda estão em mãos de particulares, como o "baú do Bandeira" - os arquivos da Guerrilha do Araguaia - que segundo um dos depoimentos estão em mãos da filha do general Bandeira. "O Governo não tem forças pra dizer: entrega esse material, que é público", disse Cecília Coimbra, uma das depoentes, que fez parte da banca.



Contra essa política do esquecimento é que se construiu o Memorial da Resistência, com a assessoria do Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo. A ideia que prevaleceu foi a de não priorizar a tortura, que efetivamente existiu, nem de glorificar os heróis, individualmente, mas de centrar na luta coletiva, articulando as memórias do passado com o presente. O Memorial deve mostrar que "apesar de toda a barbárie, venceu a humanidade. Derrotamos a ditadura" - diz Alipio Freire, um dos ex-presos entrevistados.



Ramires vivo



Durante a defesa, foi citado poema de Bertold Brecht. Numa prisão italiana, um preso político com uma faca escreveu na parede de sua cela em letras garrafais: VIVA LENIN! Os guardas viram e mandaram um pintor com um balde de cal apagar a inscrição. Com um pincel, ele cobriu letra por letra, o que destacou ainda mais as palavras. Um segundo pintor foi então enviado e cobriu tudo com tinta escura, mas quando secou, horas depois, as letras teimosas apareceram em relevo. Chamaram então um pedreiro, que com uma talhadeira cavou profundamente, letra por letra, a frase na parede. “Agora, derrubem a parede” – disse o preso socialista.



Quanto mais tentam apagar, mais destacadas ficam as memórias de presos políticos. O depoimento de Cecília Coimbra registra o "trabalho de detetive" feito pelo Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM) do Rio de Janeiro para localizar a sepultura de Ramires quase vinte anos após sua morte. Seu irmão, Romildo, soube da existência de uma vala clandestina no cemitério de Ricardo de Albuquerque, na periferia. Depois de muita luta e muita burocracia, conseguiram autorização para checar os livros do Instituto Médico Legal (IML). Quem conta é Cecília no depoimento dado a Carlos Beltrão:



"Fomos abrindo e vimos no livro, em outubro de 1973: um homem desconhecido, outro homem desconhecido e uma mulher (Ranúsia Alves Rodrigues). Aí a gente olhou de onde veio: a praça Sentinela em Jacarepaguá. Aí o Romildo disse: são eles, Cecília! Encontrei meu irmão! São eles! Eu disse: calma, Romildo! Vamos pro cemitério de Ricardo de Albuquerque, Romildo, calma! Eu fico arrepiada quando me lembro disso.(...) Aí fizemos todo um levantamento, ano, mês, dia. Depois, nós fomos para os livros de entrada e saída, um livro enorme...e depois pedi as fotos. Teu pai reconheceu o teu tio, carbonizado". 



Já no cemitério de Ricardo de Albuquerque, outra luta para localizar a sepultura. Conversaram com o coveiro mais antigo, que deu a dica. A vala clandestina estava escondida, coberta por gavetas, mas o GTNM conseguiu, através do então vice-governador Nilo Batista, que as gavetas fossem retiradas e a vala aberta. "A gente conseguiu autorização, via Ministério Publico, e a Santa Casa já autorizou a construir lá um memorial, pequeno, mas que estamos querendo preservar o local e a memória" - conta Cecília.



Algumas páginas da dissertação são dedicadas a repertoriar os "esculachos populares", que começaram a ocorrer em onze estados de diferentes cidades do Brasil, a exemplo da Argentina e do Chile. Posto que no Brasil nenhum torturador foi preso pelo crime cometido contra a humanidade, que pelas normas internacionais não prescreve, os "esculachos" são manifestações públicas realizadas diante das residências dos torturadores, denunciando-os aos vizinhos e à sociedade. Funcionam como uma punição moral. Nesse sentido, a dissertação serviu para mostrar que o "esculacho", em defesa da memória, conquistou um espaço acadêmico.



No final, quem está vivo é Ramires, com seus sonhos alados. Quem foi sepultado no lixão da História foram os torturadores apontados nos esculachos, assim como o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ulstra responsabilizado, nesta semana, como torturador, em decisão inédita do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Durante manifestação, a conhecida imagem da morte de Vladmiri Herzog "armada" pela repressão foi projetada na parede do Clube Militar do Rio de Janeiro. Foto: Moana Maywall.

P.S. - Carlos Beltrão do Valle: A patrimonialização e a musealização de lugares de memória da ditadura de 1964 - o Memorial da Resistência de SP. 371 pgs. Dissertação de Mestrado apresentada no dia 13 de agosto de 2012 no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Banca Examinadora: Marília Xavier Cury (orientadora), José Ribamar Bessa Freire (PPGMS/UNIRIO), Cecília Maria Bouças Coimbra (PPGP/UFF) e Joana D'Arc Fernandes Ferraz (PPGAd/UFF).

* PubliDiário do Amazonas

Crítica procedente contra o sigilo da Comissão Nacional da Verdade


Em seu artigo “A verdade em alto e bom som”, publicado neste domingo (9.9) no Estadão, o jornalista Bernardo Kucinsky traz uma excelente reflexão sobre os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade ao questionar: “por que (a Comissão) trabalha em sigilo como se ainda estivéssemos na ditadura?”

Uma observação, aliás, que Kucinsky já havia feito durante a primeira reunião da Comissão da Verdade com os familiares de desaparecidos políticos, da qual participou em junho deste ano. À época, ele sugeriu que ao contrário de serem sigilosas, as reuniões do grupo deveriam ser abertas e televisionadas, da mesma forma que são as da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal.

“Se a Comissão da Verdade não foi criada para fazer justiça, se não tem objetivo punitivo, que outro sentido teria senão o pedagógico, o de revelar a nossos filhos e netos as atrocidades cometidas no passado recente para que não se repitam?”, questiona muito acertadamente o jornalista.

Kucinsky lembra que já se passaram quatro meses desde a instalação dos trabalhos da Comissão, mas até agora pouco se sabe sobre eles além das reportagens que vêm saindo nos jornais. “Ocasionalmente se lê nos jornais que a Comissão vai chamar fulano ou sicrano, por terem sido citados em reportagens desses mesmos veículos (...). É a mídia pautando a Comissão da Verdade e não a Comissão da Verdade pautando a mídia”, argumenta.

Sigilo não ajuda em nada

Em seu artigo Kucinsky também cita a observação do ex-procurador geral da República e membro da Comissão, Cláudio Fonteles, para quem "a Comissão da Verdade não levará a nada sem a pressão da sociedade civil". E frisa que há duas verdades aí à nossa espera: uma, a individual devida a cada família; a outra é a “verdade como ferramenta de conscientização e elaboração da nossa história”. 

“O que está em jogo é o domínio da memória histórica”, conclui o jornalista neste artigo que merece toda atenção. 

Kucinsky aponta para a necessidade de que as sessões da Comissão sejam abertas ao “conhecimento amplo, televisionando-as, exibindo as inquirições e documentos encontrados. Aí sim, nos mais escabrosos detalhes, para que não seja uma narrativa abstrata”. Uma abertura – explica - que “não impediria a convocação de determinados protagonistas da repressão para algumas sessões reservadas nem colidiria com essa convocação”. 

O jornalista tem razão. O sigilo da Comissão da Verdade – e mais do que isso, a falta de publicidade de suas ações e atos – não ajuda a mobilizar apoios. Ao contrário, diminui a sua capacidade de obter informações, além de não contribuir em nada para conscientizar a sociedade brasileira sobre o regime militar e seus crimes, muito menos sobre a história do nosso país.

O PROFESSOR DE TORTURA - José Ribamar Bessa Freire*


(Enviado de Paris) Acabo de ler o último livro que o general francês Paul Aussaresses escreveu: Eu não contei tudo.Últimas revelações a serviço da França (Je n'ai pas tout dit.Ultimes révélations au service de la France, Editions du Rocher, 2008). Depois disso, tentei entrevistá-lo, sem sucesso, através de contato com Jean-Philippe Bertrand, assessor de comunicação da editora. Soube que o general está com 94 anos, quase cego, e que não mora em Paris, reside na Alsácia. Mas não dá entrevistas.

Ele deu uma entrevista polêmica ao Le Monde em novembro de 2000, depois outra, em 2008, à Folha de São Paulo. Tentei arrancar uma agora para o Diário do Amazonas, consciente de que seria difícil. Diante da impossibilidade, só me resta compartilhar com o leitor minhas impressões sobre o livro que li, onde o general conta suas andanças pelo Brasil, suas atividades como adido cultural da França em Brasília de 1973 a 1975, e suas muitas passagens por Manaus, onde foi professor de tortura no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS).

Logo no primeiro capítulo, Paul Aussaresses revela que sempre foi um babaca, desde que nasceu. Quer dizer, ele não diz que era babaca, é claro, sou eu que estou dizendo pelas coisas que ele narrou. Ele conta, por exemplo, que na sua infância, em Paris, olhava de sua janela os soldados desfilando no Campo de Marte e ficava fascinado:

- Eu dizia a mim mesmo: quando eu crescer, vou ser militar. Minha querida avó, em cuja casa meus pais me deixavam muitas vezes, me olhava e dizia orgulhosa: "Cadê o generalzinho da vovó"? Na família, todo mundo dizia que minhas primeiras palavras foram: "Posição, sentido! Avançar!". Mas eu não amava apenas os desfiles militares e a música marcial. Era eu um predestinado?

Paul Aussaresses cresceu, se tornou militar e atuou no Serviço de Documentação Exterior e de Contra-Espionagem (SDECE). Participou da guerra da Indochina. Ele confessa, na maior cara de pau, que este órgão do governo francês decidiu montar uma rede para o tráfico de ópio:
- "Nós comprávamos ópio no Laos por 14 centavos o grama e revendíamos aos intermediários por 18 francos. Esse tráfico rendeu muito à República Francesa e dessa forma nós pudemos financiar atividades de repressão".

Chefe do Batalhão de Paraquedistas francês, além de combater na Indochina, lutou na Segunda Guerra Mundial e recebeu a medalha de herói. Foi um dos responsáveis pela sistematização da tortura durante a guerra da Argélia, instrutor das forças especiais norteamericanas em Fort Bragg, e se distinguiu nos anos 1970 como professor de tortura no CIGS, em Manaus, criado pelo marechal Castelo Branco no início da ditadura militar, em 1964. Teve alunos brasileiros, chilenos, argentinos, uruguaios e paraguaios, entre outros.

Vale a pena reproduzir aqui alguns trechos do livro. O jornalista Jean-Charles Deniau, autor da entrevista, que deu origem ao livro do general, lhe pergunta:
- Você ia com muita frequência a Manaus?
- Sim, ia todos os meses.
- O que você ia fazer lá? 
- Manobras com os alunos e estagiários do CIGS.
- Mas você não ia para o coração da floresta apenas para realizar manobras...
- Não. Os brasileiros me confiaram outras tarefas. Meu programa consistia em ensinar aos alunos a guerra contra-revolucionária. Para ser bem claro: eu ensinava as técnicas da batalha da Argélia, 
- E em relação à tortura, como é que acontecia?
- A gente ensinava as técnicas, ensinava como se devia fazer.
- O ensino da tortura era, então, apenas teórico? Ou havia aulas práticas?
- Havia aulas práticas. 
- Na realidade, vocês formavam torturadores brasileiros que, por sua vez, exportavam a técnica para outros países da América Latina?
- Sim. Confirma. Exato.

O general francês conta que quando foi adido militar, o general João Figueiredo era chefe do SNI e com ele construiu uma sólida amizade, assim como com o delegado Sérgio Fleury. Narra que quando estava em Manaus foi chamado às pressas à Brasília por Figueiredo, que o levou ao porão de um prédio onde uma mulher presa, de nome Eva, com quem o francês havia tido um caso, estava sendo torturada. Ela morreu sob tortura. Segundo Figueiredo,era uma espiã.
O professor de tortura francês faz uma apologia da violência cometida contra presos indefesos, justificando: "A tortura é eficaz, a maior parte das pessoas não aguenta e fala mesmo. Depois, quase sempre, nós os matávamos. Por acaso isso me trouxe problemas de consciência? Não, essa é que é a verdade: não".

Enfim, o general francês Paul Aussaresses, no seu livro, demonstra que é - usando a linguagem do "p" - um grande fipilhopo daputapa.

* Publicado no Diário do Amazonas

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

42 anos depois surge documento que confirma morte de Mário Alves


Confirmado: um documento no Arquivo Nacional publicado por O Globo no final de semana (edição deste domingo) confirma que o jornalista e secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) Mário Alves, está morto. Até então ele constava das listas de desaparecidos políticos.

É uma confirmação que só se tem 42 anos depois dele ser preso e morto pelos órgãos de repressão da ditadura militar, apesar de o registro da morte ter sido feito no documento em 1970. "Esse documento é mostra que eles não tinham nenhum pudor de fazer uma lista com os nomes dos mortos. Se até hoje negam a prisão, como é que o dão como morto?", desabafou ao jornal a filha de Mário Alves, Lúcia Caldas Vieira.

Portanto, é uma confirmação do que todos nós já sabíamos. Mas por dever de justiça e gesto humanitário, a notícia poderia ter sido dada desde a época em que foi registrada no documento, para que a família de Mário, mulher e filhos, não passasse quatro décadas na condição de "viúva e órfãos do talvez e do quem sabe", como o ex-deputado Alencar Furtado (MDB-PR) definiu uma vez a situação dos parentes dos desaparecidos políticos.

Militares nunca assumiram que prenderam Mário Alves

Quem confirmou a morte de Mário, ainda em 1970, no documento agora encontrado por O Globo no Arquivo Nacional, foi a própria Aeronáutica. Assim, pela 1ª vez têm-se um documento com referência dessa natureza a Mário. Apesar de quatro testemunhas terem presenciado a tortura de que ele foi vítima no DOI-CODI do Rio, a partir de quando foi levado de casa, dia 16 de janeiro de 1970, daquela data até hoje as Forças Armadas nunca assumiram que ele fora preso.

O documento é uma lista produzida pelo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), em 19 de janeiro de 1971, na qual consta a 1ª informação oficial da ditadura militar sobre o jornalista desde o seu desaparecimento. A lista relaciona nomes de militantes, seus codinomes e as organizações na quais atuavam na resistência à ditadura.

Conforme apurou O Globo, nela estão as informações sobre o militante do PCBR desaparecido um ano antes: "na primeira coluna, o codinome pelo qual era conhecido: “Vila”. Na última, seu nome completo: Mário Alves de Souza Vieira; no meio, o campo “situação atual” indica: morto."

Os três ramos das Forças Armadas foram informados do assassinato

A lista serviu como fonte de informação para o extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), o Centro de Informações do Exército (CIE) e o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR). Mário era baiano e tinha 47 anos quando saiu da casa onde vivia com a mulher, Dilma Borges, em Abolição, subúrbio do Rio.

Preso, Mário foi levado para o DOI-CODI na Rua Barão de Mesquita e torturado durante a noite do dia 16 e a madrugada do dia seguinte. Os presos Raimundo José Barros Teixeira Mendes, José Carlos Brandão Monteiro, Manoel João da Silva e Antônio Carlos de Carvalho ouviram o sofrimento do militante do PCBR ao longo do interrogatório.

Dilma, a viúva, e o advogado Modesto da Silveira desencadearam esforços para localizá-lo, inclusive encaminhando pedidos de habeas corpus para o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, na tentativa de descobrir o paradeiro de Mário. Nenhum órgão da repressão assumiu a prisão. Pior: devido à busca, Dilma também chegou a ser interrogada.

Livro marca 22 anos da abertura da vala clandestina de Perus


Nesta terça-feira (4.9), Dia Estadual em memória aos mortos e desaparecidos, completaram-se 22 anos da abertura da vala clandestina de Perus, no cemitério Dom Bosco, na Grande São Paulo. Ali estavam centenas de ossadas, embaladas em sacos plásticos e sem identificação. 

Recomendo que vocês leiam “Perus – Desaparecidos políticos: um capítulo não encerrado da história brasileira”. O livro foi lançado ontem e é resultado da parceria entre o Instituto Macuco e a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Nele vocês poderão conhecer quem foram as vítimas da repressão que puderam ser identificadas na vala de Perus até agora. 

A vala foi aberta em 1976. Em 1990, havia restos mortais de cerca de 1.500 pessoas - indigentes, vítimas de esquadrões da morte e, sobretudo, militantes políticos. No livro há também artigos esclarecedores da ex-prefeita Luiza Erundina, no comando de São Paulo quando da abertura da vala; do presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abraão; e dos integrantes da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Ivan Seixas, Maria Amélia de Almeida Teles e Suzana Lisboa, entre outros.

É uma fundamental, ainda mais neste momento em que a Comissão Nacional da Verdade e as demais comissões da verdade espalhadas pelo país se consolidam e aprofundam o trabalho de busca da verdade histórica. 

As expectativas, como já afirmei aqui, são altas. E anotem o que digo: a verdade virá à tona, cedo ou tarde.

domingo, 2 de setembro de 2012

Alerta: Comissão da Verdade não pode perder o foco

Comissão Nacional da Verdade
Integrantes da Comissão Nacional da Verdade estiveram no Pará, no início desta semana, ouvindo relatos sobre torturas em quartéis e delegacias de polícia do Estado. E chegaram a afirmar que pretendem incluir no relatório final da entidade - que será entregue daqui a 1 ano e oito meses à Presidência da República – a situação atual da tortura no país. 

Embora seja louvável a preocupação dos membros da Comissão da Verdade com a tortura hoje no país, alerto para o fato de que não podemos, de forma alguma, desviar o foco principal que deu origem à criação da Comissão da Verdade: apurar os crimes de violação dos direitos humanos entre 1946 a 1988 - em especial, os ocorridos durante o regime militar (1964-1985).

O tempo corre. A investigação dos crimes de violação dos direitos humanos traz uma chance única e histórica. De reparação e de abertura de novas perspectivas. 

Não podemos correr riscos nessa questão

É este trabalho que permitirá à sociedade conhecer, de uma vez por todas, a verdade histórica do período da ditadura militar. Nós não podemos correr riscos quanto a isso. 

Do contrário, compromete-se a memória histórica e compromete-se o futuro, pois os crimes de lesa-humanidade precisam ser punidos, como ocorreu em todos os outros países que enfrentaram situações similares, e como determinam as convenções internacionais de que o Brasil é signatário. E o que temos que fazer, no momento, para chegarmos a este ponto, é apurarmos o ocorrido da forma mais ampla, profunda e precisa que formos capazes de fazer.

Os casos recentes de desaparecidos políticos que vieram à tona nos últimos quatro meses precisam ser aprofundados. Os casos de centenas de heróis anônimos silenciados pelo Estado aguardam justiça. Sem falar de tantas outras mortes, mais conhecidas, como as de Carlos Lacerda, Juscelino Kubistchek e do próprio Jango – os dois últimos num intervalo de oito meses – que precisam ser fortemente investigadas. 

As transgressões aos direitos humanos que ocorrem nos nossos dias têm que ser denunciadas aos organismos competentes nas várias instâncias criadas para isso: o Ministério Público, as corregedorias e até ao Conselho Nacional de Justiça. Além das comissões e comitês de direitos humanos que continuam em funcionamento no país.

Mas nenhum desses organismos substitui – e nem tem o poder legal para isso, ou ainda a legitimidade conferida por um amplo arco de forças políticas - o trabalho da Comissão da Verdade. Daí as expectativas e exigências da sociedade brasileira em relação ao resultado do trabalho desta Comissão serem tão altas. 

Como era de se esperar após trinta anos de silêncio e omissão sobre os responsáveis pelas atrocidades cometidas neste país.

(Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

Ação penal contra militares da ditadura, uma decisão histórica


Apoio à decisão da juíza federal Nair Cristina de Castro que acatou o pedido do Ministério Público Federal (MPF) e abriu uma ação penal contra dois militares que atuaram na repressão durante o regime militar no Pará: o coronel do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, e o tenente-coronel, também do Exército, Lício Augusto Maciel.

Eles vão responder pelo crime de sequestro qualificado durante a Guerrilha do Araguaia (1972-1975), no sul do Pará. Curió é acusado pelo sequestro de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia). Seus corpos jamais foram encontrados. 

Já Lício Maciel é acusado pela captura de Divino Ferreira de Souza em 14 de outubro de 1973. Desde então, Divino nunca mais foi visto.

O MPF esclarece nos autos que durante a Operação Marajoara – última fase dos combates – “houve o deliberado e definitivo abandono do sistema normativo vigente, pois decidiu-se claramente pela adoção sistemática de medidas ilegais e violentas, promovendo-se então o sequestro ou a execução sumária dos militantes”. 

Sequestro qualificado

“Não há notícias de sequer um militante que, privado da liberdade pelas Forças Armadas durante a Operação Marajoara, tenha sido encontrado livre posteriormente”, afirma o processo. Segundo o MPF, os militares são responsáveis por crimes contra a humanidade cuja responsabilidade penal cabe ao Estado brasileiro, como determina a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 

O MPF também esclarece que a decisão não contradiz a Lei de Anistia ou o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal). E sustenta a denúncia com base no fato de que os corpos dos combatentes de esquerda até hoje não foram encontrados - eles podem, portanto, ser considerados como desaparecidos. 

Ao determinar a abertura da ação penal, a juíza argumentou que se o crime de sequestro continua até hoje, não se aplica a ele a Lei da Anistia, pois ultrapassou o período dos crimes anistiados. Um argumento, inclusive, que tem chancela nos tribunais internacionais que vão na mesma direção. O crime de sequestro qualificado prevê pena de prisão de dois a oito anos.

Caminhos da justiça - caminhos da verdade 

Vale destacar que esta mesma ação levantada pelo MPF contra Curió foi rejeitada em março, quando o juiz federal João César Otoni de Matos entendeu que a Lei da Anistia (1979) perdoou crimes cometidos durante a ditadura. Outra ação sob o mesmo argumento, envolvendo o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, teve desfecho semelhante em São Paulo. 

Em entrevista à imprensa, Lício Maciel tenta se defender e afirma que o combatente do Araguaia, Divino Ferreira de Souza, foi “baleado em combate”, levado a uma enfermaria e que, posteriormente, militares o informaram que ele havia morrido. 

Mais cedo do que pensam os saudosistas e viúvas da ditadura, a verdade virá à tona. Não adianta eles acharem que passarão impunes pelos crimes que cometeram. 

A Justiça terá seu trabalho fortalecido pela ação da Comissão Nacional da Verdade e pelas inúmeras comissões da verdade estaduais, municipais nas Universidades... enfim, há uma sede para se conhecer a verdade que toma o país de norte a sul, de leste a oeste.

Por todo o lado estão aparecendo novas iniciativas visando trazer à tona o que a ditadura e seus rebentos tentaram e ainda tentam esconder. Está cada vez mais claro e evidente que não terão sucesso.