sábado, 18 de agosto de 2012

Como a equipe de Mino Carta na Veja comemorou o 6º aniversário do golpe de 64


“Como é de conhecimento do mundo mineral, quem fez a VEJA, quando podia ser lida, foi o Mino Carta. O Robert(o) [Civita] lia a Veja na segunda feira, depois de impressa, porque o Mino não deixava ele dar palpite ANTES de a revista rodar.”

A afirmação acima é de Paulo Henrique Amorim, amigo de Mino Carta, e, surpreendentemente, trata-se de uma verdade. Mino, com efeito, fazia o que achava melhor. Seu patrão só ficava sabendo na segunda-feira. A sua ditadura unipessoal na revista acabou no começo de 1976. A ditadura no Brasil ainda duraria muito tempo.

Pois bem, as novas gerações, especialmente os jovens estudantes de jornalismo, que hoje eventualmente leem e ouvem Mino Carta conhecem pouco da história da profissão. Não raro, seus professores se ocupam de proselitismo ideológico raso e não incentivam a pesquisa. O material que destaco abaixo é público. Está no arquivo digital da VEJA.

Na revista de 1º de abril de 1970, Mino decidiu fazer um balanço dos seis anos de poder militar no Brasil. A longa reportagem, com texto final de Elio Gaspari e Luís Adolfo Pinheiro, era apresentada num editorial assinado pelo então diretor de redação. Outros podem ter cantado as glórias do regime militar, mas ninguém como Mino. Outros podem ter enxergado virtudes no poder de farda. Mas ninguém como Mino. Outros podem ter coberto os chamados “setores castrenses” de elogios e mimos. Mas ninguém como Mino. Segue o seu editorial na íntegra. Comento depois.


A essa altura, imagino muitos jovens “progressistas” mais irados que menino cagado, como se diz nos Pampas. Sim, este Robespierre da “imprensa nativa”, como ele costuma se referir aos demais veículos de imprensa, achava que os militares “surgiram como o único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção, nascidas e criadas à sombra dos erros voluntários e involuntários dos líderes civis”. Como vocês sabem, o “direitista Reinaldo Azevedo”, o Judas pronto a ser malhado pela esquerdopatia de salão, jamais escreveu ou escreveria algo parecido. Como não sou demagogo nem estúpido e prezo o estado de direito, não tento enganar incautos pregando, por exemplo, a revisão da Lei de Anistia.

Quando publiquei um outro texto demonstrando a verdadeira pena de Mino Carta, alguns tentaram ensaiar uma defesa: “Não foi ele que escreveu! Era a revista!” Errado! O que vai acima é um texto assinado. Ele, sim! Aquele que mandava em VEJA e não permitia pitaco de patrão. Mino não precisava que ninguém o forçasse a lustrar as botas do quartel. Ele o fazia por conta própria, por gosto, por vocação, pela vontade de servir.

Mino ia longe. Enxergava o que ninguém mais alto do que ele conseguia enxergar. Leiam lá o que diz sobre os governos de farda: “E, enquanto cuidavam de pôr a casa em ordem, tiveram de começar a preparar o país, a pátria amada, para sair de sua humilhante condição de subdesenvolvimento”.

Sabem o que é mais fabuloso? Mino continua fanaticamente governista hoje, como sabem. A razão supostamente nobre que pretexta para ter aderido ao lulo-petismo é justamente a dita luta do ApeDELTA para tirar o país do… subdesenvolvimento!!! Já naquele tempo, como se nota, ele tinha esse estilo que eu definiria como “contestação a favor do poder”.

A reportagem

A reportagem a que ele se refere, com texto final de Elio Gaspari e Luís Adolfo Pinheiro, também é um primor. Ali já se percebe a semente de um estilo que renderia muitas metáforas a um deles: assim como Lula é, nos dias hodiernos, o homem “do andar de baixo” que veio dar lições “ao andar de cima”, naqueles dias, esse papel era reservado aos militares. Querem ver?


Entenderam? Era “a revolução que legitimava o Parlamento, não o Parlamento que legitimava a revolução”. Os militares perceberam, como se informa acima, que as intenções ideológicas dos políticos são sempre “escorregadias”. Huuummm… Não deixa de ter lá a sua verdade. Quando vejo alguns áulicos de hoje a demonizar a oposição, noto que o sestro é antigo. Este outro trecho da reportagem é de uma fabulosa eloquência.


Ali se mostra o danado esforço dos militares para construir uma “nova estrutura política, econômica e social para o país”, sem transigir com os “antigos inimigos”, a saber: “a corrupção e a subversão”. Mino Carta e seus rapazes saúdam o fato de que, finalmente, existe uma política sem políticos — nem mesmo aqueles que apoiaram inicialmente o golpe. Não se trata apenas de uma reportagem exaltando o poder militar. Trata-se um texto em favor da linha dura. Mino, como se sabe, é sempre muito convicto. As ideias ficarão ainda mais claras no trecho que segue. Notem que a tarefa dos militares é criar o desenvolvimento. E não estão para brincadeira, não! Trata-se de gente séria, competente e trabalhadora — não aquela bagunça do governo civil.


Mino, Gaspari e a turma estavam empenhados em demonstrar que, finalmente, havia gente de outra natureza no poder, muito distante da vigarice civil e da baderna protagonizada por reles políticos. Estes, parece, eram talhados para se servir do poder — os outros, ao contrário, eram educados para servir. Que falem por si. Não precisam do meu auxílio. As duas imagens devem ser lidas na sequência.



É claro que há, sim, verdades no que vai acima quanto à formação e ao espírito dos militares. A questão é saber se seu lugar é o governo. E me parece certo que não. Assim como tenho a certeza de que também não é lugar de larápios, de aproveitadores e de candidatos a caudilho. E, se restou alguma dúvida quanto aos propósitos do editorial de Mino Carta e da matéria feita sob o seu comando e a sua inspiração, o último parágrafo é de um eloquência acachapante. Leiam. Volto para encerrar.


Pois é… A gente nota os “velhos progressistas de esquerda de hoje” já em estado larvar naqueles entusiastas do regime, não é? Afinal, os militares eram “sensíveis aos problemas” nacionais porque oriundos das “camadas mais pobres da sociedade”. Isso deve explicar a paixão pelo ApeDELTA. Golpe? Nada disso! A gente aprende lendo o texto que “a classe política se dividiu e naufragou por suas próprias limitações”. Quando os militares decidissem entregar o cargo, haveria de ser a uma “classe política renovada”.

Encerrando

Os jornalistas, o jornalismo e as empresas de comunicação retratam o poder: noticiam, analisam, opinam… Mas têm de ter claro que não são — NEM DEVEM SER — o poder. É evidente que a imprensa estava sob severa censura em 1970, mas, já escrevi aqui, se era proibido criticar, não era obrigatório elogiar. Especialmente com essa ênfase e com argumentos saídos da mais profunda convicção antidemocrática.

Mino Carta se sentia a voz do poder em 1970 e se sente a voz do poder em 2012. No passado, ele desqualificava os políticos — consumidos por suas ambições e limitações. Nos dias de hoje, os adversários dos “representantes das camadas mais pobres” são as forças de oposição e, claro, a “imprensa nativa”, que ele adora satanizar. Sentia-se poder antes. Sente-se poder agora. Ocorre que, para vestir esse figurino, precisa inventar para si mesmo um passado de contestação, falso como nota de R$ 3. Alguém poderia dizer que não mudou tanto assim. Hoje como antes, sempre aos pés do poder. Hoje como antes, de braços dados com o autoritarismo.

Lamento desfazer as ilusões de alguns moços, pobres moços! Mas também eles têm o direito de saber o que eu sei. Sim, sim, há muitos outros “pogreçista” que cantaram as glórias do regime militar. O trabalho da minha Comissão Particular da Verdade mal começou.

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